“Ganhamos o mesmo que há 10 anos, o que representa uma quebra salarial superior a 20 por cento”

Por a 14 de Janeiro de 2022

Luís Filipe Simões

Luís Filipe Simões, jornalista d’A Bola, foi eleito em Maio presidente da direção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) para o triénio 2021/2023, sucedendo a Sofia Branco. Durante a campanha eleitoral foi claro nos propósitos: “Denunciar e combater a precaridade na profissão, a falta de condições nas redações, os baixos salários. Lutaremos pela aplicação do estatuto de desgaste rápido à profissão. Assinaremos o novo contrato coletivo de trabalho e garantiremos a sua efetiva aplicação. Vamos também manter a vigilância sobre a aplicação do regime de teletrabalho, de modo a evitar abusos decorrentes da sua aplicação nas empresas que por ele optarem”.

Meios & Publicidade (M&P): As condições de trabalho dos jornalistas pioraram na sequência da pandemia?

Luís Filipe Simões (LFS): O SJ fez um inquérito aos jornalistas com algumas questões sobre o que nos trouxe a pandemia. O teletrabalho foi imposto em mais de 70 por cento dos casos por determinação das empresas. Isso criou alguma dificuldade porque mandou para casa grande parte das redações. As redações, e isso é uma opinião pessoal, não funcionam em teletrabalho. Deixa-se de discutir e de olhar para os problemas de uma forma mais coletiva. Não há ninguém ao lado para dar uma sugestão ou para corrigir. Tivemos nas respostas ao inquérito pessoas que se queixaram de que tinham perdido o direito a desligar. A trabalhassem praticamente todo o dia, com a ideia errada de que é um privilégio estar em casa. Depois há uma franja substancial que deixou de pagar subsídios de transporte e de alimentação e não compensaram o acréscimo de despesas de luz, água e tudo mais.

M&P: Tem havido uma mudança no perfil de jornalistas em Portugal? Como têm evoluído os salários?

LFS: Há um estudo, tenho ideia de que é da Universidade do Minho, que fala na juvenilização do jornalismo: jornalistas cada vez mais novos, a ganharem menos e com contratos cada vez mais precários. A carreira do jornalista, aos poucos, está a transformar-se. Em termos sindicais percebe-se isso pelas contribuições das pessoas. Se é verdade que o SJ tem conseguido aumentar o número de sindicalizados, também é verdade que tem perdido muitas receitas. Por aí se vê as diferenças dos ordenados. É verdade que passamos por anos de grande pujança no jornalismo, a seguir à entrada na União Europeia, mas aos poucos, e com a entrada neste século, agravaram-se as condições de trabalho, os salários tiveram uma quebra substancial. Isso explica os jornalistas cada vez mais novos. Aos poucos, com a idade, as pessoas vão deixando o jornalismo. Por muita paixão que as pessoas tenham pelo jornalismo, há outros apelos. Deixam a profissão e vão ganhar mais, por exemplo, nas assessorias e empresas de comunicação.

M&P: Que se saiba, não está a decorrer nenhum despedimento coletivo. Quais são as queixas que, nesta fase, estão a chegar ao SJ?

LFS: São muito variadas. Há queixas de incumprimentos, de atrasos nos subsídios, algumas queixas na RTP de profissionais que entendem que as administrações não vão cumprindo o acordo de empresa, há as questões da progressão na carreira e do contrato coletivo, que não são respeitadas. Até faria um apelo. Os jornalistas queixam-se pouco. Há dias falava com uma jornalista que dizia que tínhamos o defeito de dizermos que os jornalistas não são notícia, mas o jornalismo tem de ser notícia.

M&P: Está a haver uma renegociação do contrato coletivo de trabalho. Em que ponto está o processo?

LFS: O contrato em vigor é de 2010. A sua revisão começou há seis anos, foi retomada e há quatro anos, ininterruptamente, que está a ser negociada. É um documento que senta à mesma mesa patrões, representados pela Associação Portuguesa de Imprensa, e trabalhadores, representados pelo SJ, que têm de chegar a acordo sobre tudo o que são condições de trabalho dos jornalistas. Depois, para as empresas, serve para balizar a concorrência para estarem todos debaixo das mesmas regras.

M&P: Há uma data limite para essa negociação terminar?

LFS: Ando a dizer aos meus associados que vai ser para breve, mas já o digo há um ano. Ainda hoje [13 de Dezembro] tivemos uma reunião. Há um entendimento claro de que pode demorar mais tempo, mas temos de fazer um bom acordo.

M&P: Quais são os principais temas em discussão? O que pode adiantar?

LFS: Vai ser um contrato coletivo de trabalho pioneiro porque vai incluir a questão do teletrabalho. Há algumas obrigatoriedades das entidades patronais, por exemplo, para portadores de doença crónica, jornalistas com mais de 30 anos de profissão, trabalhadoras grávidas. Será a primeira convenção coletiva que olhará para o teletrabalho dessa forma. Recuando ao inquérito sobre as condições de teletrabalho, no início da pandemia achei que iam chegar queixas de pessoas que queriam estar em casa e as empresas não autorizavam. Não foi isso que aconteceu. Foi o inverso, de pessoas que achavam que o jornalismo não se faz em casa e que não se pode confundir a casa com o local de trabalho. No inquérito, 48 por cento pensam pedir para ficar em teletrabalho. Os resultados estão divididos entre quem acha que deve exercer a profissão em teletrabalho e os que acham que a devem exercer na redação. Outro ponto será balizar a carreira em termos de anos de profissão e transpor para o documento o que é a carreira de jornalista e indicar, a 40 anos, o que são os salários mínimos para cada escalão. Isto é, pensar o contrato coletivo de trabalho em termos de carreira e não meramente pelas questões práticas do dia-a-dia. O contrato está praticamente acordado entre as duas partes mas há questões de pormenor. Nos contratos coletivos há uma regra: até tudo estar acordado, nada está definido.

M&P: Que aspetos é que os patrões estão mais relutantes em negociar?

LFS: Obviamente a questão salarial separa-nos, porque achamos sempre insuficiente. O último contrato é de 2010 e, em muitos dos casos, os jornalistas não tiveram aumentos salariais. Estamos a ganhar muito menos porque os salários não foram sendo corrigidos com o passar dos anos. Ganhamos o mesmo que há 10 anos, o que representa uma quebra salarial superior a 20 por cento.

Leia aqui a entrevista completa a Luís Filipe Simões, publicada na edição 899 do M&P (acesso exclusivo para assinantes)

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