Estará a internet aberta condenada?

Por a 22 de Dezembro de 2021

João Paulo Luz, director de negócios digitais e publishing da Impresa

Gerhard Casper, o nome do presidente da Universidade de Stanford em meados dos anos 90, foi o primeiro termo a originar um resultado de pesquisa no Google. Larry Page tinha conhecido nessa Universidade Sergey Brin, em 1995, e em Agosto do ano seguinte lançavam o motor de pesquisa na rede da Universidade. Dois anos depois, em Agosto de 1998, fundavam o Google com um investimento de 100 mil dólares realizado por um dos fundadores da Sun.

Quando Larry Page e Sergey Brin lançaram o motor de pesquisa, então com o nome de Backrub, organizavam a informação já então disponível na web inspirando-se na valorização que o mundo académico atribui aos trabalhos publicados. Quanto mais referências esse trabalho venha a acumular de outros trabalhos, mais reconhecido e valorizado ele é. Para a informação na web o princípio era o mesmo. As páginas relevantes para um termo pesquisado eram organizadas pelo número de links que outras páginas web lhes destinavam. Quanto mais referências melhor, e quanto mais referências de páginas muito referenciadas ainda melhor.

O algoritmo do Backrub teria seguramente mais alguma complexidade e os resultados para a pesquisa do nome do presidente da Universidade pretendiam mostrar que o algoritmo funcionava melhor do que as soluções já existentes. Em pouco tempo o nome passou a Google, que é a expressão matemática para o número 1 seguido de 100 zeros, e também não levou muito tempo para se começar a afirmar como melhor do que os seus concorrentes.

O Google não foi o primeiro serviço de pesquisa e não foi também o primeiro serviço a oferecer um leilão para colocar anúncios nos resultados de pesquisa. Teve aliás que oferecer 2,7 milhões de acções ao Yahoo que entretanto comprara a Overture e que tinha um processo sobre o Google por reclamar que esse modelo de leilão era patenteado.
Se há algo que a história da web nos mostra é que os mais bem sucedidos nem sempre foram os primeiros na sua área. É verdade para o Google e também é verdade para o Facebook, que é posterior ao MySpace e mesmo ao Orkut. No entanto, tal como o Google, foi mais bem sucedido e hoje é absolutamente dominante. Claro que a permissão de aquisições como a do Instagram e do WhatAspp ajudaram a esse domínio, mas não deixa de ter sido o que melhor executou a visão que se foi formando sobre a evolução das redes sociais.

E se o Facebook percebeu cedo como deveria fazer crescer a sua comunidade e como a deveria manter, deveremos levar a sério a sua visão para o Metaverse. Mais uma vez não é nada totalmente novo, este mundo em 3D em que podemos ser actores através de avatares, mas tem condições para ser executado com tremendo sucesso.
Bill Gates perspectivou nas últimas semanas que em três anos praticamente todas as reuniões profissionais serão no mundo virtual do Metaverse. Mas, mais importante do que tentarmos adivinhar se Bill Gates está certo neste prognóstico, deveremos valorizar que a afirmação é feita como uma perspectiva positiva do impacto da tecnologia nas nossas vidas.

Para a maioria de nós a tecnologia é uma coisa boa. Torna a nossa vida mais fácil, dá-nos mais acesso ao conhecimento, permite-nos comunicar de qualquer parte a qualquer hora e tudo isso é fantástico porque veio funcionar como o maior elevador social. Nunca como agora houve oportunidade real para um talento emergir e brilhar, independentemente da sua origem.

Não é, no entanto, claro que esta nova internet do Metaverse seja tão democrática e aberta como foi a internet nascida nos finais dos anos 90. Haverá até sinais de que não é esse o caminho que estamos a seguir e a evolução recente aponta-nos de facto outra direcção.

No início do século, mesmo depois do rebentar da bolha dotcom, havia uma efervescência enorme porque as barreiras à entrada eram baixas. Não era caro fazer um site ou uma loja de e-commerce e audiências significativas eram imediatamente acessíveis. Lutava-se por relevância, claro, mas não se podia comprá-la. A realidade de hoje é muito diferente. É impossível lançar um projecto com ambição sem reservar recursos significativos para o promover em search e em redes sociais, pois quem não esteja nessas duas portas não existe. Nunca foi gratuito porque o investimento em recursos técnicos sempre fez a diferença, mas a internet não pertencia a ninguém em particular.
Hoje vivemos num mundo que hesita sobre a necessidade de uma intervenção regulatória para recuperar essa internet aberta, ou para proteger a privacidade dos seus users, e a crença de que os poucos players dominantes conseguirão fazê-lo.

Se a iniciativa da Apple ao lançar funcionalidades que identificam que apps usaram o micro ou a câmara do nosso “device” parece dar força à ideia de que a auto-regulação funciona, deveremos questionarmos como é que a mesma Apple deixou que aqui chegássemos. E a resposta é sempre a mesma para todos os problemas em todas as indústrias: porque dava dinheiro.

Todos antecipamos que o impacto do Metaverse nas nossas vidas será enorme e poderá ser fantástico mas parece muito pouco provável que voltemos a uma internet aberta.

Artigo de opinião assinado por João Paulo Luz, director de negócios digitais e publishing da Impresa

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