Não é normal…

António Cunha Vaz, presidente da CV&A
…Um profissional de uma consultora de comunicação pronunciar-se, em público, sobre questões que podem, por uma razão ou por outra, afectar os negócios da empresa na qual trabalha e, muito menos, quando a lidera. Não é, pois, normal, podendo, mesmo, ser considerado um acto impensado, falar sobre o que no país se passa.
Da economia à justiça, da governação à oposição, dos opinadores aos jornalistas e, até, imagine o leitor, às agências ou consultoras de comunicação, muito há a dizer. Creio que a covid veio trazer à tona imensas virtudes e outros tantos defeitos de todos nós.
Comecemos pelo princípio. A economia, que não a do estado – propositadamente com letra minúscula – empresarial, a verdadeiramente portuguesa (PME) irá sobreviver ao fim das moratórias? Ouvimos, vemos e lemos bancos a dizer que sim, o governo a dizer que também e dos empresários nem uma palavra. Só pode. As palavras, uma vez ditas, não voltam atrás. Os dinheiros com origem nos programas PRR e 20/30 estão em duas fases, respectivamente: já distribuídos pelas obras públicas ou de interesse de quem nos governa ou, na segunda fase, atrasados. Virão esses montantes a tempo de salvar algumas empresas? Sim. Virão a tempo de salvar a maioria delas? Creio, sinceramente, que não. Creio que economia do país vai continuar alavancada na banca, porque os portugueses ainda não aprenderam a procurar outras formas de financiamento – salvam-se, claro, dois ou três unicórnios e algumas empresas que têm gestores mais novos e de cabeça mais aberta. Uma boa e uma má notícias: Enquanto durarem os PER as empresas cumpridoras serão sempre prejudicadas pelas que requerem este programa de favorecimento de grandes credores e de graves incumpridores. Boa novidade é o fim do destruidor Pagamento Especial por Conta. Vergonhoso, mesmo, nos tempos que correm.
Passemos para o meio, isto é, para a nossa governação e oposição. Que a grande massa não sabe o que quer, a não ser uma vida melhor, não é novidade. Que vota no partido A, B ou C e julga que tudo na semana seguinte será melhor, já é, por todos, sabido. Que não gosta de pagar impostos, que durante esta pandemia adiou os pagamentos das prestações de crédito à habitação aos bancos, mas comprou carros novos, ecrãs de plasma e coisas semelhantes, e agora que vai chegar o momento de pagar vai contar com o Bloco e o PCP a dizer que os bancos são uns “bandidos” porque querem cobrar, não é, também, novidade. Que a oposição, até agora não oposiciona – do PSD e CDS falo, porque o Chega não existe e a IL ainda não tem força para existir (desejando eu que a venha a ter) -, estando um líder preocupadíssimo com os likes no Facebook e outro com uma actuação tão estranha que me pergunto se estará bem. Que o Governo navega à vista, centrado no orçamento, no PRR e no 2030, excepto quando um qualquer ministro faz asneira e aí há que gerir crise, também já todos vimos, ouvimos e lemos. E que o Governo tem tanta sorte por ter a oposição que tem como aquela que lhe saiu com o Presidente da República que foi eleito, mas em que ninguém diz que votou, lá isso… Mesmo algumas muito boas medidas que o Governo toma e alguns muito bons elementos que tem no seu seio têm ampliação desmedida pela inépcia da oposição (excepcionam-se o grupo parlamentar do CDS e alguns elementos do PSD).
Saltemos para o fim. Os jornalistas têm tanto escândalo sobre o qual escrever e a pouca população que lê jornais tem tanta coisa para ler que qualquer escândalo dura apenas dois dias. A título de exemplo, e para não falar da “inesperada fuga” de Rendeiro, os jornalistas de investigação descobriram que em Portugal há três pessoas com uma empresa offshore cada um. É crime ter uma empresa offshore? Não há mesmo mais nenhum português com empresas offshore ou advogados com procurações de clientes para as constituir? E das agências ou consultoras de comunicação não querem os Senhores que investigam ver se não há alguma com empresas offshore? Pela nossa posso falar: só temos uma marca, pagamos rios de impostos, segurança social, temos uma intervenção na sociedade como nenhuma outra tem e, claro, lideramos o mercado. E agora é continuar com as nossas vidinhas de sempre a ver tudo mudar para que nada mude.
*Por António Cunha Vaz, presidente da CV&A