MIPCOM 2021

Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital
De Cannes para o mundo. Ao fim de dois anos, muitas foram as reuniões e sobretudo conferências e workshops que iniciaram com a saudação do regresso ao modelo presencial. Ainda que Portugal seja exemplo com 85% da população vacinada, não é assim em todo o lado, com grande parte dos Estúdios americanos a não marcarem presença e deixando a Croisette mais livre para ver o mar. E quanto a novidades sobre conteúdos?
Streaming. Streaming. E muita TV generalista. Canais cabo menos presentes. E o quase desaparecimento dos sociais (Youtube, Facebook, Twitter, TikTok). O vídeo deu lugar à guerra do streaming, claramente entre os gigantes do novo costume (Netflix, Amazon, Apple, Disney) com os novos em segunda linha (HBO Max, Paramount+, Discovery+, Pluto Tv, Viaplay) e com os mais locais a terem menor direito a palco, ainda que marcando bastante presença na assistência e nas mesas de reuniões. Em especial todos atentos às co-produções. Porquê? Porque o muro caiu.
As co-produções sempre foram uma realidade, sobretudo em Portugal marcadamente na realidade do serviço público da RTP, na ficção, o seu terreno de eleição bem como no documentário. Com a pandemia, antes disso com fenómenos como La Casa de Papel e recentemente com o êxito de Squid Game, entre outros, caiu o muro da língua e também vários estúdios, operadores e streamers foram apurando nos últimos anos o faro para o Glocal – conteúdos pensados e produzidos localmente, até em co-produção de mais do que dois países, mas com intuito de desempenho acima da média em várias regiões do globo.
O talento foi outro dos temas em voga, repetindo o que já se ouvira em 2018 e 2019. Muito na escrita, mas também noutras áreas técnicas. Agendas preenchidas e preços exorbitantes inflacionados pelos grandes streamers obrigam os operadores sobretudo europeus a focarem-se em novo talento. Um dos “bottlenecks” inclusive encontrados pelo operador nórdico de streaming Viaplay foi mesmo na questão técnica para competir no género documental, para poder rivalizar com a BBC, mas só ao fim de vários anos e com uma estreia colaboração com as escolas de cinema conseguem hoje aspirar a que esse desejo possa a vir tornar-se possível.
Para quem gosta de números, a empresa de estudos de mercado “NoTa” marcou mais uma vez presença com alguns factos dos últimos 2 anos. A reter: o consumo de televisão linear está estável, tendo regressado aos níveis de pré-pandemia. Os documentários são o género que mais cresceu no streaming (território avassaladoramente ocupado por grandes títulos com a marca da BBC, ou não fosse um dos temas de maior consumo aqui o Ambiente/Natureza). E ainda no documentário o Crime e a Realeza Britânica voltaram a subir dois dígitos. E claro, o desporto como arma de arremesso para angariação de subscritores, com casos partilhados como do operador nórdico Viaplay ou da Discovery+ (ainda que aqui em Portugal essa operação esteja em operadores dedicadamente desportivos como a SportTv e Eleven Sports, nem sempre assim é na Europa). Tempo ainda para dar nota do bundling de streamers no Reino Unido, na SKY, com o produto SKY-Q, que num trimestre angariou 244.000 subscritores (unindo debaixo de uma mesma assinatura várias contas – Netflix, Disney, etc.), estimando-se que igual abordagem seja seguida por vários operadores pela Europa fora no próximo ano.
Finalmente, sobre formatos, repetiu-se a sempre aguardada sessão denominada “Fresh TV” curada pela empresa TheWit com as tendências do setor. Mantêm-se os grandes títulos em voga nos Dating Shows e nos Reality Shows (de onde o Big Brother que emitimos na TVI permanece rei), abrindo espaço agora a uma nova tendência nos Talent-Shows – a virtualização. Casos de “Alter Ego”, onde com a tecnologia do filme Avatar os concorrentes cantam sem que o júri saiba como são, aparecendo com um avatar que corresponde à forma como o concorrente gosta de se imaginar, ou ainda de “Avastars” da produtora TALPA, que segue a mesma linha mas desta feita juntando num mesmo avatar um cantor e um dançarino, duas pessoas num concorrente só. Do Japão ou da Coreia do Sul a tendência da virtualização segue mais aplicada aos Game-Shows.
Ainda que sem a pujança de tantos stands como outrora, Cannes mantém-se relevante e a vontade de inspirar é grande. Com o Casino ali mesmo ao lado do Grand Palais des Festivals, olhar para a panóplia de formatos qua aguardaram o fim da pandemia para agora se lançarem no mercado e serem o próximo “big hit”, é caso para dizer: “ladies and gentlemen, faites vos jeux!”.
*Por Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital, em Cannes