Boas decisões em tempos difíceis
Historicamente actos grandiosos emergem em tempos difíceis. Todos nós portugueses nos lembramos do herói improvável que Eder protagonizou na final do Euro-2016, em que Portugal venceu a favorita França que jogava em casa e depois de Cristiano Ronaldo, de longe o nosso melhor jogador, se lesionar no início do jogo. É uma memória agradável para nós portugueses e que nos lembra que vencer em momentos de grande contrariedade fica-nos gravado com outro impacto. Lembra-nos também que os resultados são sempre obra de trabalho em equipa, mesmo quando se tem o melhor jogador do mundo.
A relação dos consumidores com as marcas também é marcada pela emoção e pela aspiração. Nós queremos identificarmo-nos com marcas que transformam o mundo para algo melhor, no exemplo mais recente da Tesla, ou com marcas que em momentos difíceis se conseguem reinventar como a Apple em 1997 com o regresso de Steve Jobs, ou com marcas que nos valorizam e acarinham como o famoso “Porque você merece” da L’Oreal. Se sabemos que nem tudo é racional na nossa relação com as marcas, e se a qualidade do serviço ou do produto tem que satisfazer a nossa necessidade, nós também esperamos que elas nos inspirem e nos surpreendam com as suas acções.
Sendo tudo isto claro para todos nós, o desafio está em agir em conformidade. Parece hoje evidente que as alterações que Steve Jobs introduziu foram correctas e que a aposta do sempre controverso Elon Musk foi realizada na altura certa. Mas deveremos lembrar-nos que no momento em que foram tomadas essas decisões, a incerteza era imensa e que eram apostas que apenas trariam retorno no longo prazo, nunca nesse ano e menos ainda no próximo trimestre.
Quando observamos o comportamento das marcas nesta época de pandemia, certamente o momento mais improvável nas nossas vidas, e em que ninguém consegue perfeitamente antecipar tudo o que vai alterar, identificamos uma enorme oportunidade.
Se um número significativo de marcas, eventualmente a maioria, opta por uma estratégia racional e segura, elas abrem a possibilidade de outras ocuparem o seu espaço num momento propício a atitudes que mudem as regras do jogo.
James Quincey, o CEO da Coca-Cola, disse-nos esta semana que “Achámos que nenhum marketing faria muita diferença no segundo trimestre e então recuámos bastante. Teremos que avaliar e ser adaptáveis à medida que trabalhamos com variáveis conhecidas, identificando os mercados onde fará sentido investir a partir de agora”, num discurso marcado pela racionalidade e pela protecção imediata do valor accionista. O CFO, John Murphy, ainda reforçou dizendo que “este é um tempo que nos dá a oportunidade de repensar a quantidade de investimento em media que os nossos mercados precisam para executar num nível ideal daqui para a frente”.
Não está em causa o acerto destas decisões. Nós não conhecemos a realidade da companhia e estes gestores têm imensa informação e estão apoiados por extraordinárias e talentosas equipas e são brutalmente escrutinados a cada 3 meses. É um modelo tão exigente quanto robusto e, muito provavelmente, estas são as decisões certas para a Coca-Cola.
Mas enquanto consumidores, o que todos gostaríamos é que a Coca-Cola nos surpreendesse com uma qualquer atitude inspiradora que pudesse funcionar como exemplo para as nossas próprias decisões individuais, quando também enfrentamos incertezas e receios nas nossas vidas. É essa identificação que procuramos nas marcas, pelo menos nas “love brands”, e é essa oportunidade que aqui se abre para quem a consiga agarrar.
Estes momentos são tão difíceis quanto são de oportunidade. Para tirar vantagem desta conjuntura são exigidas opções difíceis e, como dizia numa t-shirt um dos fundadores da Waze numa conferência que tive a oportunidade de assistir: “Easy decisions are easy. Hard decisions are hard”.