“As agências vivem a dor de como se transformam num mundo influenciado pelo digital”
Transformação digital, sustentabilidade, activismo e inovação, segundo Luís Rasquilha Luís Rasquilha, que lançou em 2009 a consultora AYR dedicada às tendências e inovação, mudou-se em 2011 para o Brasil, onde […]
Rui Oliveira Marques
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Transformação digital, sustentabilidade, activismo e inovação, segundo Luís Rasquilha
Luís Rasquilha, que lançou em 2009 a consultora AYR dedicada às tendências e inovação, mudou-se em 2011 para o Brasil, onde é agora CEO da Inova Consulting e da Inova Business School. Em Portugal o profissional passou pela Caetsu, Ogilvy, WOP, Multipublicações, INP, ETIC e United Media.
Meios & Publicidade (M&P): A sua consultora apresenta nos seus relatórios mais de 70 tendências que vão ser determinantes na nova década. No curto prazo qual a tendência mais importante?
Luís Rasquilha (LR): A conectividade global crescente, a chamada internet de tudo, a internet of everything. Pessoas, máquinas, carros, frigoríficos, televisões, estradas e aeroportos estarão todos conectados. Isso leva para outra discussão que é a da transformação digital. Independentemente do tamanho, da antiguidade ou do negócio, as empresas que não se transformem totalmente vão ter mais dificuldades em sobreviver. Como a conectividade é global, dá ao consumidor muito mais poder de escolha e imediatismo. Hoje consegue-se, com qualquer aplicação, comprar, vender, comentar, elogiar ou criticar. É uma funcionalidade para a qual a maior parte das empresas não está preparada. Um exemplo clássico: chega a um banco e tem de preencher um Excel de informação para saber se tem um spread aprovado ou não. Por isso, dizemos que a transformação digital é muito mais transformação do que digital.
M&P: Porquê?
LR: Não se trata de escolher um conjunto de ferramentas, de pessoas de 3D, chatbots, big data… É principalmente ter consciência de que o problema do consumidor é influenciado pelo mundo conectado. Temos de ser mais ágeis e rápidos na forma como se dispõe a informação e como se responde às questões. A partir daí é que se vai escolher as tecnologias.
M&P: Essa transformação digital já foi feita pelos consumidores mas ainda não chegou às empresas.
LR: Há empresas que acham que, no horário comercial das 8 às 5, os trabalhadores não devem ter acesso a redes sociais porque quem está nas redes sociais não está a trabalhar. Há empresas cujo site não é responsivo. Há empresas com perfis nas redes sociais que não estão actualizados face ao portfólio. Há empresas que não respondem às perguntas que recebem no Instagram. A transformação digital tem três pilares: conteúdo, plataforma e experiência. Vemos as grandes consultoras a darem gratuitamente relatórios e estudos quando há dez anos cobravam por eles este mundo e o outro. Nós próprios, que começámos pela AYR, que deu origem à Inova, vivíamos da venda de relatórios de tendências. Hoje disponibilizamos gratuitamente no nosso site, porque o conteúdo traz conhecimento, notoriedade e relevância. O outro pilar é o da plataforma, que é onde se pode colocar o conteúdo. O terceiro pilar é o da experiência, ou seja, fácil de aceder, partilhar, pesquisar ou utilizar.
M&P: Por que é tão difícil fazer essa transformação digital das empresas? É pelos custos que implica?
LR: É cultural. A primeira coisa é que se perde o poder como empresa porque ele passa para a mão do consumidor. Hoje é simples instalar e apagar uma aplicação, sair de um site e entrar noutro, ou comprar numa Amazon. Escrevi agora um artigo para o MIT no Brasil a dizer precisamente isso. Nós vínhamos da Revolução Industrial, em que as empresas impunham o que os clientes iam comprar, para a actualidade em que o cliente diz o que quer, e se eu não o tiver, alguém vai dar-lhe isso. Muitas empresas pequenas, juntas, estão a fazer mossa às grandes empresas. A babysitter do meu filho foi ao banco Itaú e disseram-lhe que, com o salário que tem, não podia ter cartão de crédito. Então, ela abriu a aplicação do Nubank, que é um banco digital, carregou online as fotografias dos documentos e do recibo do vencimento. Dias depois recebeu o cartão de crédito pronto a usar. Esta velocidade fez com que o Itaú perdesse um cliente. Como exemplos como este e com as pessoas das gerações mais novas quantos clientes perdeu o Itaú de gente que não tem tempo a perder? Uma Sonae ou Jerónimo Martins têm dinheiro para a transformação digital, mas é a questão do mindset que dói mais.
M&P: É um problema transversal a vários sectores da economia?
LR: Sim. Estive agora nos Estados Unidos com a Cisco e a Unisys. Elas também têm essa dor, apesar de serem empresas de tecnologia. O mindset ainda é o da produção industrial tradicional.
M&P: Quando é que deve soar o alarme de que é preciso mudar? É quando aparece uma startup que parece que vai desafiar o negócio?
LR: Pode ser uma startup ou um movimento de startups. Trabalhámos com as seguradoras Porto Seguro, Liberty e Mapfre. Dizia a todas as seguradoras: porque tenho de pagar pelo seguro do carro independentemente do uso? Eu e a minha mulher temos carros iguais, os seguros custam o mesmo apesar de ela andar mais de carro. Depois apareceu uma startup que cobra o seguro por quilómetro rodado. Só aí é que soaram os alarmes, porque apareceu alguém que pode mudar as regras do mercado. Infelizmente os alarmes só soam quando chega alguém ao mercado que começa a criar mossa nos resultados. Aí os gestores começam a perceber que até o seu lugar pode ficar em perigo.
M&P: Outro movimento que a Inova identifica, em relação aos consumidores, é a crescente atenção dada às questões da sustentabilidade e da transparência das empresas. É curioso ver que Greta Thunberg foi eleita Personalidade do Ano pela revista Time e que, noutra dimensão, a Time Out Lisboa elegeu os “activistas” como os Lisboetas do Ano. Os consumidores-activistas vieram para ficar?
LR: Temos de separar entre o que é verdadeiramente relevante para as empresas e o que tem interesses externos ao negócio. Não podemos pensar na sustentabilidade como algo apenas ambiental. A sustentabilidade é um triângulo que inclui o económico e o social. No Brasil não posso pedir a uma pessoa que não tem saneamento básico que separe o lixo. Não está nem na cabeça da pessoa separar o lixo quando não tem esgoto à porta. Os activistas genuínos merecerem credibilidade e respeito, mas temos de ter algum cuidado com activismos front office de interesses estranhos. Vou reservar-me a comentar porque conheço o interesse que está por detrás de alguns deles. A geração mais nova está a trazer a preocupação pelo sustentável. Não querem comprar carro, andam de Uber, de trotinete e não querem poluir. Querem viver com menos, não querem a posse, querem o uso. Este é um excelente insight sobre o comportamento da geração mais nova. Depois há a questão da transparência das empresas, nomeadamente o compliance que no Brasil está muito forte, isto é, cumprir regras e ser aquilo que se diz que é.
M&P: Também se pode estar perante o cenário de as empresas estarem a instrumentalizar os consumidores ao dizer que têm uma série de preocupações que depois não são verdade.
LR: Precisamente. Dizem que ajudam o ambiente e os mais necessitados porque fica bem. Ainda estamos nesse estado. Os próximos dois a três anos vão ser radicais nessa matéria e os activistas têm esse papel de fazer isto passar para algo mais sério. Não é só dizer que se faz. É preciso provar que se faz. Há um exemplo que dou sempre nas minhas apresentações que é o de uma startup do Recife especializada em processar companhias aéreas por overbooking, perda de bagagem e voos cancelados. Trabalho com uma das três maiores companhias aéreas do Brasil. O overbooking é uma forma de fazer negócio. Vendem mais bilhetes porque há sempre gente que não aparece. Agora, como o nível de processos é tão alto, o overbooking já não compensa. As empresas começam a jogar limpo. Vender bilhetes a mais é uma artimanha que deixa os consumidores irritados. Tudo isto tem uma contaminação de notoriedade e credibilidade. Uma das coisas que o World Economic Forum fala é que precisamos de encontrar um novo modelo económico. O socialismo é bom a dividir e mau a produzir. O capitalismo é bom a produzir mas é mau a dividir. Temos de encontrar no meio um modelo que permita dividir equitativamente sem prejudicar quem quer produzir. Estamos a caminhar para encontrar uma nova abordagem política, sustentável, económica e ambiental. Ainda não estamos nela. Estamos à procura de soluções, se calhar com o pensamento do século XX que ainda não se ajustou a esta nova realidade. A próxima década vai trazer-nos mais respostas.
M&P: Voltando a 2020, que tendências é que os gestores devem estar atentos quando querem planear o curto prazo?
LR: Ao planeamento estratégico flexível, ou seja, a agilidade. Na Inova temos uma unidade de negócio só especializada em “agile”, que tem 22 métodos ágeis que estamos a usar em muitas empresas. A trend é: temos de ser mais ágeis, seja uma empresa de cimento, de TI ou um shopping. Isso obriga a mudar a forma de trabalho. Obriga a repensar processos e portfólios.
M&P: Como é que todas estas transformações estão a impactar as agências criativas?
LR: As agências continuam agarradas à ideia. A ideia é importante porque é o conteúdo, mas é preciso pendurar lá coisas que penso que as agências ainda não estão a fazer: big data, conteúdo e métricas. Data para dar informação, conteúdo para criar as ideias e métricas para avaliar e corrigir em movimento. Trabalho aqui com três agências e elas estão apenas na questão da ideia. Num mundo em que a cauda é longa, quando se tem vários segmentos de mercado, são precisas ideias para cada um deles. Só a data consegue identificar perfis, comportamentos, escolhas e preferências. As agências continuam muito focadas no above e below, no fazer publicidade em televisão que é o que dá visibilidade e prémios em Cannes. Tivemos agora um aluno no curso para executivos, presidente de uma agência relevante, que no final do curso dizia que tinha de rever toda a forma de pensar. O cliente dizia-lhe o que queria e a agência criava, agora tem de colocar em causa se o que o cliente quer é o que precisa. Tem de se fazer um trabalho de research maior para entender o segmento. Tem de acompanhar no dia-a-dia a performance da campanha para fazer as correcções necessárias. Por isso vemos a Accenture a comprar uma empresa de big data e a McKinsey que no Brasil tem uma unidade de design thinking com 25 pessoas. Outras empresas estão a olhar para o mercado da comunicação com interesse. Sabem que há dinheiro mas precisam de entrar com uma abordagem diferente. As agências, todas elas, vivem essa dor de como se transformam num mundo influenciado pelo digital. O Miguel Caeiro e o Rui Paiva da WeDo lançaram o Skorr, que é uma app que agrega todo o comportamento de LinkedIn, Facebook, Instagram, Pinterest e vende esse conteúdo às empresas para melhor segmentarem as campanhas. Porque não foi uma agência a criar isto e permitiu que fosse feito por outros agentes de mercado?
M&P: O ambiente empresarial no Brasil é mais inovador do que em Portugal?
LR: Sim, mas o Brasil é um país de 210 milhões de pessoas pelo que a comparação directa nem era justa para Portugal. O Brasil é muito influenciado pelos Estados Unidos. Noventa por cento dos meus clientes C-Level estudaram nos Estados Unidos e isso dá-lhes um mindset e uma abertura maior. Claro que São Paulo é muito diferente do resto do Brasil, mas aqui arriscam mais. Portugal tem a questão da população mais envelhecida e uma dificuldade educacional gigante de as universidades se adaptarem ao novo, salvo raras excepções. Nas empresas familiares portuguesas continua a vontade de fazer o que sempre fizeram. E depois há a questão da interlocução de quem manda. Temos vários projectos em que é o conselho de administração que nos leva para discutir inovação. No ano passado um administrador dos Correios quis levar-nos ao board dos CTT para discutir inovação mas acharam que não era relevante.
M&P: Como é a sua vida no Brasil?
LR: O que me ocupa mais tempo é a consultoria. hoje estou muito próximo do C-Level nesta questão da transformação do negócio. Setenta por cento do meu tempo está dedicado a assessorar empresas de diferentes dimensões, aqui e fora, com a Unisys nos Estados Unidos e com alguns empresários em Portugal. Dez a 15 por cento do tempo é dar aulas não só na Inova, que tem cerca de 300 alunos por ano, como na Dom Cabral, que é uma das melhores escolas de negócios do mundo, a número um em facilities e no top 10 mundial em tudo o que é inovação. E no hospital Albert Einstein, que tem 25 mil alunos por ano, onde dou aulas de gestão para a saúde. Tive agora os directores dos hospitais militares como alunos, explicando e reflectindo cenários para o seu negócio. Depois tenho uma área que se tornou numa área de negócio que é a de palestras, que vale 15 por cento. Estou muito em palco no Brasil, estive em 2019 nos Estados Unidos e no Peru para evangelizar a malta sobre a transformação digital. Tive um convite para ir à Colômbia mas não consegui por questões de agenda.
M&P: Quanto é que a Inova factura?
LR: 2,5 milhões de reais [550 mil euros]. Temos capacidade de crescer mais um milhão com a estrutura que temos. Entramos em 2020 com contratos assegurados com praticamente 70 por cento do que fizemos. Na nossa estrutura somos seis a sete pessoas. Depois temos professores em função dos cursos, o que dá 40 pessoas no total.