Media olham para um futuro que já chegou mas que não valoriza o “petróleo editorial”
Falar sobre o futuro dos media em Portugal era o objectivo da ACEPI quando convidou os responsáveis dos principais grupos de media nacionais para fechar o Digital Media Forum Portugal que decorreu esta terça-feira. Mas o futuro já chegou e acabou por se falar do presente. “Isto é já, não é daqui a uns anos, não é só lá fora, não é só nos públicos jovens como tem sido dito tantas vezes e tem funcionado como um retardador que só prejudica os gestores do sector dos media. É hoje e só vai acelerar nos próximos anos”. Foi desta forma que Gonçalo Reis, presidente do Conselho de Administração da RTP abriu a conversa sobre o futuro dos media e as possibilidades da digitalização da indústria. “O online é uma grande oportunidade para a RTP chegar aos emigrantes, aos portugueses lá fora, 30% dos utilizadores que vão aos nossos sites são portugueses que estão fora de Portugal”, apontou o responsável da estação pública, revelando que ainda há muito por fazer já que actualmente “apenas 2% dos trabalhadores da RTP estão focados do online”. “Os canais internacionais de televisão e de rádio têm também muito para melhorar porque Portugal já é muito mais moderno do que aquilo que vemos ali”, refere, sublinhando que estas coisas são “só metade do trabalho. Os arquivos são também um activo que o online pode ajudar a difundir”.
Já Luís Cabral, administrador da Media Capital Rádios e da Plural, rompeu com o ambiente focado em plataformas para lembrar que “mais importante do que a mobilidade, onde nos devemos focar como meios de comunicação é que nós somos produtores de conteúdos, temos de nos focar é em produzir bons conteúdos, onde é consumido é-me indiferente”. “A adaptação ao digital é mínima, o que é mais difícil é a estabilização e criação de bons conteúdos”, considera. Nas palavras de Luís Cabral, o principal assunto de preocupação deve ser outro: “Os meios de comunicação devem é valorizar os seus conteúdos e não andar a vender os conteúdos ao desbarato.” Isso e “os agregadores que não nos pagam nada e aspiram os nossos conteúdos, como os Facebooks e Googles desta vida. Essa deve ser a preocupação dos meios, isso e uma coisa que se trabalhou muito mal e que é a degradação do nosso mercado publicitário”. Luís Cabral é mesmo liminar ao chamar a plateia à terra depois da apresentação de um estudo que aponta um futuro em torno do mobile e do digital: “Ninguém vive com o digital, morríamos de fome se vivêssemos das receitas digitais, temos de defender as nossas receitas publicitárias. Depois as marcas migrarão para o digital e as receitas seguirão.”
Apesar disso, José Freire, COO do grupo Impresa, acredita que “o digital ainda é uma esperança, já vemos um modelo de negócio que gera lucros desde que inserimos conteúdos pagos no Expresso”. Mas, reconhece, “ainda é tudo muito pequenino” e os investidores e accionistas, nomeadamente os estrangeiros, “só os consigo convencer com euros e não com pageviews e cliques”. No sentido da monetização, e concordando com Luís Cabral, José Carlos Lourenço, COO do Global Media Group, lembra que “há uma crise do negócio mas não tem de haver uma crise da relevância dos conteúdos. As nossas audiências nunca foram tão impactantes, essa relevância estará no seu pico se juntarmos todos os pontos de contacto das nossas marcas, mas há que nos apropriarmos do valor que vamos criando, há um caminho significativo a fazer”. “Os publishers têm de dar contributo para mudar, mas não servirá usar as tecnologias de hoje para replicar modelos de negócio do passado”, avisa o responsável.
Também José Luís Ramos Pinheiro, administrador do grupo r/com, afirma que “os conteúdos e o valor das nossas marcas são o nosso petróleo editorial e as pessoas continuam a querer comprar, embora com as reduções que conhecemos, mas as pessoas continuam a consumir os jornais, os nossos sites, a ouvir rádio, a ver televisão”. “O mercado digital tem um problema de escala mas o D de digital não é de doméstico, precisamos de uma escala maior do que aquela que o mercado português oferece, temos um mercado reduzido no contexto europeu e mundial. É preciso aproveitar as fronteiras que o digital nos retirou para criar mais valor”, aponta o responsável, sublinhando a necessidade de cooperação entre os vários meios e grupos de media. “Temos de ser capazes de cooperar. No Brasil ou Reino Unido os meios juntaram-se, foram capazes de se unir para vender a sua publicidade com mais escala, como é que nós que temos um mercado mais reduzido não conseguimos lançar pontes, temos de potenciar o nosso petróleo, isso não implica esquecer a natural concorrência entre os grupos”, afirma.
Neste ponto, o responsável teve o apoio de Cristina Vicente Soares, administradora do Público, que chama a atenção para o facto de que “o problema do modelo de negócio tem a ver com termos deixado de ter o controlo da distribuição e de nos terem levado parte das receitas publicitárias”. “O digital tem crescido a dois dígitos e já vale mais do que a imprensa toda junta mas os publishers globais têm 81% desta receita e o que nos sobra não chega para rentabilizar a nossa actividade e o nosso modelo de negócio”, refere. Para a administradora do diário da Sonaecom, “há uma diferença entre o valor atribuído por estes players à produção de conteúdos de entretenimento face aos conteúdos noticiosos”. Isto porque pagam quantias avultadas para ter conteúdos do Netflix ou do Spotify, mas depois “nos Instant Articles, o Facebook não põe sequer a hipótese de pagar pelo licenciamento dos nosso conteúdos, o Snapchat vai no mesmo sentido com o Discovery, a Apple News também”. “Querem distribuir porque têm interesse mas não estão dispostos a pagá-los como fazem com o entretenimento, parece que somos a segunda divisão da produção de conteúdos”, lamenta, referindo que “há uma percepção de que os conteúdos noticiosos de qualidade são gratuitos e temos de perceber como mudar esta perspectiva”. “Ficámos extasiados com os volumes de audiência e talvez tenhamos feito algum caminho para chegar onde estamos”, reconhece, mas “não conseguimos competir desta forma”.