Lá fora à procura de encomendas

Por a 12 de Fevereiro de 2010

_mg_2417.jpg _mg_2424.jpg

Dez dias são suficientes para definir como irá decorrer o ano de uma marca de moda. Entre 20 e 29 de Janeiro, Berlim, Paris e Barcelona receberam, de forma alternada feiras de moda. Irene Silva, responsável pelas vendas da Salsa Jeans, fez esse trajecto e a meio da The Brandery, a feira de Barcelona, não hesitava em comentar que as vendas estavam a correr bem. “Foi uma surpresa.” É nestes espaços que as marcas interagem com os logistas de média e grande dimensão e tentam convencê-los a apostar nos seus produtos. No espaço da Salsa, vários agentes e comerciais não sabiam para onde se virar, enquanto vários interessados ocupavam duas mesas para conhecer melhor as suas propostas e folheavam catálogos que poderiam ser o ponto de partida para as encomendas. Ao todo, 210 marcas, principalmente espanholas, mas também portuguesas, francesas e italianas tentavam na The Brandery captar a atenção dos 14 mil profissionais que passaram pelo recinto durante três dias.

As marcas nacionais conseguem ser competitivas nestes cenários? Isabel Mesa, representante para Espanha e Portugal da consultora de análise de tendências de moda WGSN, faz a radiografia. “Portugal tem muitas empresas de manufactura. É um dos mercados que ainda mantém a produção e continua a ser dos mais fortes da Europa, apesar da produção estar a deslocalizar-se para a China e para a Índia. Consegue ter uma mão de obra de especializada, um produto de qualidade e uma velocidade na entrega do produto.” Apesar do défice de marcas com projecção internacional, a consultora reconhece que “há muitos talentos, escolas de moda e eventos que mostram a criatividade que está em Portugal e com vontade de se mostrar fora”. No país vizinho, cadeias como a Zara ou Mango mudaram a percepção da indústria espanhola. “Aliás, essas não são marcas de características espanholas mas sim mundiais, que ajudaram a que haja agora uma grande quantidade de criativos e desenhadores em Espanha.”

Apesar de o país dar cartas no pronto-a-vestir, os sectores do calçado e dos acessórios ainda não conseguiram afirmar-se a nível internacional. “Esse deverá ser o próximo passo da indústria”, identifica Isabel Mesa.

A Ten Toes, que esteve em Barcelona, é uma marca portuguesa que ilustra bem o diagnóstico da consultora. À frente do projecto está Reinaldo Teixeira, que é também sócio-gerente da fábrica Carité. “O que tem prejudicado a Ten Toes é eu ter uma unidade industrial que produz para outras marcas. Como sou o único sócio, tendo a empresa 170 trabalhadores, quase todo o tempo é ai esgotado. Há um ano criei para a marca uma equipa comercial e de desenvolvimento, onde vou colaborar mas que não vai depender de mim”, refere. A Carité detém duas marcas, além da Ten Toes de calçado feminino para o dia-a-dia, possui a Stiletto, direccionada para ocasiões festivas.

“Em Portugal muitas marcas já deram passos muito grandes em termos de design e de criatividade. Há dez anos estávamos muito aquém. Agora temos marcas a caminho do sucesso e por alguma razão é”, comenta Reinaldo Teixeira.

No entanto, na área do calçado, a maior parte do design continua a vir de Itália, nomeadamente de estúdios localizados em Milão. “Os italianos continuam a surpreender. Têm uma criação espantosa, talvez pelas escolas que têm. Nós, ano após ano, estamos a recuperar.

Já temos bons estilistas, mas os italianos têm uma maior quantidade de marcas, que dão suporte aos seus designers”. Reinaldo Teixeira identifica uma oportunidade para as marcas nacionais de calçado: “Uma grande parte da produção italiana já não é feita em Itália, mas na Roménia e na China. Sendo produzido em Portugal vai ter mais qualidade. O design italiano e a produção portuguesa podem ser a nossa mais-valia.” Apesar de ter ido a Barcelona vender a Ten Toes, só agora é que a marca vai começar a marcar presença em desfiles de moda e nas páginas de algumas revistas. Dentro de algumas semanas o novo site deverá ficar online.

Há marcas noutro estádio de desenvolvimento. A Dkode exporta 96 por cento da produção, tem como principais mercados França, Alemanha e Holanda e vende 100 mil pares por estação. Na origem está o grupo Sozé, que já vai na terceira geração e que em 2002 avançou com o projecto da marca. “A ideia era um projecto de marca própria que conseguisse controlar a cadeia de valor e antecipar um bocado o que se está a passar nos últimos anos com a deslocalização para a Ásia”, comentou ao M&P Pedro Lopes, director comercial. Em território nacional, a Dkode está presente em 80 pontos de venda. “É mais um daqueles casos em que é preciso ter primeiro sucesso lá fora para sermos conhecidos em Portugal”, considera.

Também do eixo Felgueiras-Santa Maria da Feira, que concentra a indústria de calçado nacional, são a Eject e a Prophecy. A primeira é mais descontraída, desportiva e colorida, enquanto a Prophecy, criada há dois anos, quer ser mais clássica. A Eject, fundada em 2001, vale cinco milhões de euros em vendas, apesar de apenas um por cento ficar em Portugal, o que corresponde a três mil pares. O mercado alemão é o mais importante, seguido dos da França, Japão, Canadá, EUA e Nova Zelândia. Em Portugal, a região mais representativa para as vendas é o Algarve, adianta Joaquim Carvalho, gerente das marcas. “É uma zona onde há mais turismo e mais abertura a estes produtos. Em Portugal ainda há dificuldade em encontrar lojas que arrisquem pôr o produto nas montras. Quem arrisca tem sucesso, mas esse problema acontece também noutros mercados em que entramos.” Também a empresa de Joaquim Carvalho produz para outras marcas. “As nossas marcas representam 50 por cento da nossa facturação, mas recorremos muito ao trabalho subcontratado, que representa mais do que a nossa produção.” Os sapatos podem ser vistos nos Morangos com Açúcar e FF já desenhou uma colecção. Figuras mediáticas como Isabel Figueira, Cláudia Vieira ou Afonso Vilela são calçados pela marca.

O próximo passo poderá passar pela abertura de lojas próprias. “Estamos a pensar seriamente em pôr uma loja em Lisboa e Porto e depois alargar à Europa. A nossa intenção é dar a conhecer a marca e incentivar que outras lojas comprem o produto. Não faz sentido invadir o país.

Queremos parceiros que vendam os nossos produtos”, refere Joaquim Carvalho.

Katty Xiomara também procurou em Barcelona alargar os negócios. “Não é um investimento fácil, mas compensa”.

Cerca de 80 por cento da produção da marca destina-se ao mercado internacional, com Espanha a captar a maior fatia. Mas Itália, Irlanda, Kuwait, Japão e Grécia também estão entre os países para onde exporta. “As reacções na The Brandery têm sido boas, mas são as típicas de uma primeira feira. Ou são os clientes que já nos conhecem ou então são os clientes novos que passam e ainda estão a estudar.” É este o ponto de partida para novos negócios.

O M&P?descolou-se à The Brandery a convite da Fira de Barcelona

– Quem ajuda à promoção

Katty Xiomara foi a Barcelona com o apoio da Associação Selectiva Moda, enquanto a Dkode teve a ajuda da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado (APICCAPS). Estes são apenas dois exemplos de marcas que contam com o apoio de entidades para se promoverem lá fora. A APPICCAPS vai investir até ao fim do ano 17 milhões de euros em campanhas de promoção nos mercados externos, envolvendo 120 empresas. O projecto, que tem o apoio da Agência para o Investimento e Comércio de Portugal e do programa Compete, vai levar acções a 16 países. Brasil, China, Emirados Árabes Unidos, EUA, Grécia, Japão, Polónia e Rússia foram identificados como os mercados que apresentam um elevado potencial de crescimento para as empresas portuguesas. Feiras a decorrer na Alemanha, Itália, Escandinávia, Itália, Alemanha, França, Reino Unido e Espanha estão incluídas nesta ofensiva comercial. O objectivo passa por fazer crescer o volume do sector, já que, actualmente, 95 por cento da produção de calçado destina-se já à exportação.

Em Janeiro a associação levou um grupo de jornalistas à Bread & Butter de Berlim, considerada a feira de moda mais importante da Europa, para mostrar o esforço de promoção de marcas de calçado nacionais presentes, onde se encontravam a FlyLondon, Eject, Prophecy, Harlot, Nobrand e Swear.

A Associação Selectiva Moda, dirigida por Manuel Serrão, organiza a participação de empresas têxteis e vestuário portuguesas em mostras têxteis e de moda, em países como os EUA, França, Itália, Lituânia, Rússia ou China. A associação organiza ainda no Porto o salão Modtissimo.

Para este ano estão previstas 49 acções nos cinco continentes. A Red Oak e a Throttleman, por exemplo, participaram na Bread & Butter com o apoio da associação, da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e da Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios. A marca de jeanswear Sacage aproveitou a The Brandery para mostrar-se pela primeira vez numa feira no estrangeiro.

Para tal, levou para o Outono Inverno 20 modelos para homem e senhora de jeans, camisas, t-shirts e malhas.

“Esta colecção não tem um tema específico mas segue as tendências da juventude, daquilo que fui vendo na rua, em conjunto com uma tendência vintage e medieval, principalmente com recurso a aplicações metálicas como tachas”, explicou Sofia Vidal, estilista da marca.

– Dilema da internet

Também no sector da moda a internet é encarada de uma forma contraditória. Constitui uma ameaça ou uma oportunidade? “As marcas querem aproximar-se mais dos consumidores, para percebê-los. Para isso, estão a usar o Facebook e o Twitter”, comenta Isabel Mesa, da consultora WGSN. Além de o factor crise estar a condicionar o sector, a internet está a fazer com que os consumidores procurem mais informações sobre as marcas e, principalmente, o preço certo a pagar por uma peça.

Isabel Mesa refere que a consultora tem sido abordada por várias marcas que querem encontrar a linguagem certa para falar com os consumidores no online. “As marcas de luxo também têm esse problema. Como estar na internet quando esse é o meio massificado? As marcas do luxo são sinónimo de exclusividade. Esse é o dilema das marcas.”

14-15.jpg

Deixe aqui o seu comentário