Estarão os jornais preparados para o novo modelo de negócio?
Juan Varela, jornalista, consultor de media e fundador da revista Cuadernos para Periodistas, da Associação de Imprensa de Madrid, chama a atenção no seu blogue, Periodistas 21, para o novo modelo de negócio jornalístico. Neste paradigma, a internet é a plataforma central e há regras básicas que deverão ser cumpridas. As edições online dos jornais portugueses estão longe de o fazerAs repercussões da crise económica no sector dos media devem vir a fazer-se sentir este ano, mas os caminhos que o jornalismo deverá seguir não são ainda claros. Impresso ou digital? Uma conjugação de ambos os formatos? As possibilidades estão em aberto. Juan Varela diz, no seu blogue, que “faz falta um novo modelo de negócio para a informação”. O jornalista e consultor de media espanhol vai mais longe nas suas provocações e defende que “tudo mudou”: “jornalismo, público, publicidade, distribuição, comercialização e o paradigma da comunicação nas sociedades de informação”. As redacções online começam a dar os primeiros passos em Portugal. Leves e flexíveis. Menos dispendiosas. Alguns, apontam-nas como o futuro. Outros, defendem que o papel nunca irá esgotar-se mas reconhecem a importância da internet como plataforma. A questão que se coloca é: estarão as redacções dos jornais portugueses preparadas para fazer uma aposta séria na internet?
A resposta não é linear. Se se tiver em conta a realidade nacional de há 13 anos, 1995 foi o ano em que o Público e o Jornal de Notícias lançaram as primeiras edições online de um jornal português, houve, de facto, uma evolução tanto nos sites como nas ferramentas utilizadas. No entanto, a realidade do jornalismo online português está longe de poder ser comparada com aquilo que já se faz, por exemplo, em Inglaterra, nos EUA ou em Espanha. Juan Varela diz, no blogue Periodistas 21, que o rácio de produtividade de uma redacção online deve andar perto de um jornalista por 50 mil visitantes únicos. Depois de ter estado à conversa com os responsáveis dos sites do Público, Correio da Manhã, Expresso, Sol, Jornal de Negócios e Diário Económico, o M&P concluiu que a receita que o jornalista espanhol dá para que se construa a “redacção digital ideal” (ver caixa) é completamente utópica se aplicada à realidade portuguesa.
Nenhum dos principais jornais portugueses têm exclusivamente a trabalhar para o seu site mais do que oito jornalistas (o Expresso, com 2 349 109 visitantes em Novembro, e o Público, com 4 702 201 no mesmo mês, são os únicos que apresentam este número nas suas redacções online). É certo que Sol, Expresso e Jornal de Negócios dizem ter uma redacção única que contribui, a tempo inteiro, para o suporte escrito e digital. Que os jornalistas da redacção impressa do Público e do Diário Económico colaboram com o online. E que o Correio da Manhã se encontra actualmente em fase de convergência de ambas as redacções. Mas também é verdade que falar do site de um jornal é falar de uma nova linguagem audiovisual para a qual dificilmente a maioria dos jornalistas das redacções impressas estará habilitada. Pedro Santos Guerreiro, director do Jornal de Negócios, resume a complexidade do processo: “mudar da edição impressa para a edição online é uma questão cultural; mudar para vídeo, som e fotografia, é entrar numa nova linguagem que um jornalista da ‘escrita’ manifestamente desconhece”.
“Falta de formação é um dos maiores problemas”
António Granado, editor do Público.pt, reconhece que a falta de formação é um dos maiores problemas do jornalismo português. “Fazer jornalismo em 2008 não é o mesmo que fazer jornalismo no século passado e as redacções têm de se consciencializar disso. É evidente que os princípios continuam a ser os mesmos, mas as novas tecnologias obrigam a uma constante adaptação que se consegue, na maior parte das vezes, através de formação”, analisa. No Público “já foi feita alguma formação mas é preciso fazer muito mais”. “O vídeo é essencial, assim como o webdesign, associado à programação. Os mapas e gráficos interactivos, ou o que actualmente se considera ‘database journalism’, têm de entrar em força nas redacções online. Para isso, precisamos de recursos”, reivindica o responsável pelo site do Público. O Jornal de Negócios “vai apostar em mais formação”, antecipa Pedro Guerreiro. Segundo Octávio Ribeiro, director do Correio da Manhã, o diário ainda não deu formação na área digital aos jornalistas mas prevê fazê-lo para 2009. Bruno Proença, director-adjunto do Diário Económico, adiantou em Dezembro ao M&P que o arranque do novo site agregador do Diário e Semanário Económico estava no topo das prioridades. O novo site quer “ser um ponto de encontro com as pessoas e empresas que querem trocar informações sobre economia, finanças ou política”, revela. O responsável pelo site do Expresso, Miguel Martins, conta que “todos os jornalistas são multiplataforma e têm competências multimédia”. E, Mário Ramires, subdirector do Sol, recorda que desde o início do semanário são feitas acções de formação em edição de imagem e som mas que “ninguém é obrigado a ser um ‘faz-tudo’ porque a especialização é, em muitos casos, a garantia da qualidade”. Todos admitem as potencialidades do formato digital. No entanto, como defende Juan Varela, “até nos mercados mais desenvolvidos a internet tem ainda uma importância menor do que a imprensa escrita”.
Portugal não é excepção. Quando questionado sobre se as notícias do Expresso são guardadas para sair na edição impressa ao invés de serem publicadas online, Miguel Martins diz que “tudo o que é notícia tem que ir para a internet”. No entanto, admite que se o jornalista garantir ser uma história que não vai ser dada por mais nenhum órgão, esta é guardada para o papel. No Correio da Manhã, de acordo com Octávio Ribeiro, “as cachas são dadas no papel”. “O ano de 2008 registará um crescimento de vendas do Correio da Manhã bastante consideráveis. Por isso, não faz sentido desinvestir na aposta no suporte tradicional”. No Sol, Mário Ramires garante que o site não é visto como “armazenamento” ou “depósito”. “Há trabalhos e notícias que o online avança e o papel desenvolve e o seu contrário. Cada suporte tem a sua originalidade e fio condutor”.
No que toca a retornos publicitários, dos jornais que revelaram percentagens, o Jornal de Negócios é o que apresenta números mais elevados. Segundo revelou ao M&P Pedro Santos Guerreiro, mais de 40 por cento das receitas publicitárias do jornal são geradas online. O responsável reconhece que nos últimos tempos tem havido uma deslocação do investimento publicitário para o site, “um fenómeno que está, aliás, apenas no início”. António Granado adianta que, no mês de Outubro, as receitas publicitárias do publico.pt representaram cerca de 10 por cento do bolo total. O Diário Económico e o Expresso não revelaram valores e Octávio Ribeiro, diz que não sente qualquer tendência para que a publicidade no Correio da Manhã se desloque do papel para o site. “Não sentimos essa tendência que alguns pretendem provocar, a nossa proposta em papel é um veículo ultra-eficaz na passagem de mensagens publicitárias”, atira.
Jornalismo mais participativo
A possibilidade dos leitores participarem imediatamente nos conteúdos que são publicados é uma das maiores potencialidades do formato digital. Sugerem notícias, correcções e comentários. O trabalho do jornalistas passa a estar sujeito a escrutinío público ao qual todos podem aceder. Alguns jornais admitem seguir as histórias sugeridas pelos leitores, depois de avaliadas. No ideal de Juan Varela, a participação do cidadão repórter no produto jornalístico é imprescindível. Encarar aquilo que é publicado como algo flexível, que pode estar sempre sujeito a alterações, é uma das tendências apontadas para o futuro já adoptadas por alguns dos jornais portugueses. No entanto, o que acontece é que, em Portugal, não existem profissionais talhados unicamente para ler e, posteriormente, publicar os comentários dos leitores. São muitas vezes os jornalistas que cumprem essa tarefa ao mesmo tempo que executam aquilo que lhes compete: informar. “A moderação de comunidades é, actualmente, uma das mais importantes tarefas que realizamos. Quando se recebem mais de 2 mil comentários diários (como acontece actualmente com o Público) é essencial ter pessoas que se preocupem com esta actividade”, alerta António Granado. Pedro Santos Guerreiro chama também a atenção para o facto de que “a maior parte das vezes as informações sugeridas pelos leitores do Jornal de Negócios não são verdadeiras, confirmáveis ou relevantes”.
Nesta área, começam também a emergir ferramentas tecnológicas que permitam agregar todo o fluxo de informação que é gerado em torno dos comentários e referências dos leitores. O Público foi pioneiro em Portugal ao adoptar o “twingly”, uma ferramenta que reúne todas as referências e comentários feitas em blogues e sites sobre os artigos publicados na sua edição online. O Sol concebe a sua “homepage” não como uma edição diferente da que é feita em papel mas como “um ponto de encontro de pessoas”, como apelida Mário Ramires.
No fundo, todos começam a caminhar, mesmo que em marcha lenta, para a reinvenção do jornalismo. A revista “The Economist” dizia que a crise veio acelerar o fim da era em papel. Reinventam-se novos modelos. Novos negócios. As transformações estão em curso mas o produto para o qual o jornalismo, tal como o conhecemos hoje, irá convergir é ainda uma incógnita. A realidade é que os jornais portugueses têm revelado uma necessidade de mudança e alguns projectos que a preconizam.