Os últimos guerrilheiros
Nos Estados Unidos uma acção de marketing de guerrilha ganhou honras de abertura de telejornais.
E em Portugal, onde param os guerrilheiros da publicidade?
Aacção tinha tudo para dar certo, mas ficou, literalmente, nas bocas do mundo pelo seu excesso de realismo. Para promover uma nova série de desenhos animados, a Cartoon Network realizou uma acção de guerrilha na cidade de Boston que foi levada demasiado a sério pela polícia da cidade. Afinal, os misteriosos pacotes deixados em zonas estratégicas da metrópole não eram perigosos engenhos terroristas, mas sim objectos promocionais. Apesar de inofensivos, os pacotes provocaram o pânico na população, envolveram as forças policiais e transformaram-se uma dor de cabeça gigantesca para o canal que teve de desembolsar uma quantia significativa de dinheiro para acalmar os ânimos das autoridades. André Rabanea, sócio fundador da Torke Stunt, empresa que se apresenta como a única em Portugal que actua exclusivamente na área do marketing de guerrilha, comenta os riscos da actividade. “Riscos ocorrem na publicidade em todas as suas manifestações e meios. É preciso pensar e estudar tudo o que pode acontecer, antecipando vários cenários e analisar bem cada caso Só é preciso estar atento, não vamos fazer guerrilha na Índia com vacas”, diz. “A acção de guerrilha em Boston foi muito bem pensada, tanto em termos criativos como em termos de execução, mas estamos a falar dos EUA. A verdade é que pagaram algumas multas, mas também é verdade que o mundo inteiro ficou a saber da sua acção e divulgação”, equaciona o responsável da Torke Stunt. Desse ponto de vista, a acção cumpriu os requisitos de uma boa campanha de marketing de guerrilha que se preze. Afinal, como explica André Rabanea, o “marketing de guerrilha é uma forma de envolver os consumidores com a marca, não através da imposição mas através da conquista. É um conjunto de estratégias diferenciadas e inovadoras cujo objectivo é surpreender, pelo inesperado e pelo barulho, pela emoção, pela ousadia e pela agilidade e que, por isso mesmo conquistam e seduzem os consumidores”, define o responsável da Torke. Uma definição alargada no qual cabem acções tão díspares como marketing viral, intervenções urbanas e performances, marketing invisível, blog marketing, etc.
Portugal receptivo a acções de guerrilha?
Resta saber se o mercado português está receptivo a estas propostas “guerrilho-inovadoras”. Ricardo Clemente dá-nos o seu ponto de vista. “O que tem sido feito em Portugal em termos de utilização de media alternativa tem sido mais empurrado pelas agências do que propriamente pelo mercado real”, considera o director-geral da Ogilvy One, empresa que no ano passado colocou no chão de várias cidades uma série de marcas de corpo á ‘la CSI’, para uma campanha levada a cabo para a Fundação Portuguesa de Cardiologia. “Há um caminho enorme a desbravar nessa área”, considera o responsável da Ogilvy One. O mesmo acredita Tomás Froes. “Devido á falta de recursos dos pequenos negócios e marcas, são estas as que têm vindo a apostar mais neste tipo de estratégias e tácticas de guerrilha”, começa por referir um dos sócios da Partners. “Mas, actualmente, com a saturação da comunicação tradicional, as grandes marcas consideram cada vez mais o marketing de guerrilha no seu mix, para atingirem de forma diferente, e mais criativa, os seus públicos-alvo. Sabem que este tipo de acções promovem o 'corpo-a-corpo' com o consumidor, o que lhes permite obter uma clara diferenciação na abordagem da sua marca ao cliente”, afirma. Também André Rabanea considera que, no que toca á relação das marcas com o marketing de guerrilha, este é o típico caso em que se primeiro experimenta e depois se entranha. “A verdade é que todos os clientes e agências com que já trabalhámos até hoje em Portugal, continuam a ser nossos clientes. Ou seja, há uma vontade inicial de arriscar por parte desses mesmos clientes ou agências e, num segundo momento, uma satisfação e eficácia na obtenção dos resultados que acaba por ditar a continuidade dos projectos”, considera.
Sim á guerrilha, porque…
Os canais Fox são um bom exemplo dessa aposta no marketing de guerrilha. Desde a entrada destes canais em Portugal que investiram em acções de marketing de guerrilha para activar o buzz em torno das séries. Assunção Loureiro, sales & marketing manager dos canais Fox, Fox Life e National Geographic, justifica o investimento. “Internacionalmente a assinatura da Fox International Channels é ‘We Entertain People’ e é isso que fazemos, todos os dias. Tanto on air como off air, porque os nossos espectadores não vêem televisão 24 horas por dia – trabalham, viajam, convivem, entre muitas outras coisas”, refere. “O nosso objectivo é estar á altura das expectativas que criamos nas pessoas. Queremos entreter as pessoas. Sejam acções de guerrilha ou outdoor stunts, sejam performances ou acções com os operadores e anunciantes, apostamos em iniciativas que surpreendam e criem emoções nas pessoas. Só assim vamos conseguir fazer jus á nossa assinatura: Emoção em Série”, admite. Por isso, 30% do orçamento de marketing de cada um dos canais é canalizado para acções de guerrilha, informa Assunção Loureiro.
Todavia, o exemplo da Fox é mais a excepção que confirma a regra, sendo esta o facto das grandes marcas olharem ainda com alguma suspeição para acções fora do mainstream publicitário. Pelo menos é o que nos dá conta Tomás Froes. Quando questionado se considera que o mercado português está desfasado do que se faz lá fora, responde: “Sim». E explica porquê: «Acho que temos apenas as pequenas marcas a apostar neste tipo de acções, e ainda assim, sinto que os responsáveis dessas marcas 'brifam' as agências para este tipo de acções como solução para a falta de recursos, e não por aquela que considero que deveria ser a principal razão: a atitude da marca”, lamenta o responsável da Partners. “Se olharmos para os mercados nórdicos e norte-americanos, vemos que existe uma enorme consistência neste tipo de acções, e que a atitude da marca prevalece na criatividade e implementação das mesmas. E, por isso, penso que tanto as marcas como as agências em Portugal deveriam olhar com mais entusiasmo e mais energia para o tema”. As razões são evidentes. “Entre as 10 marcas eleitas como mais influentes em 2006 pelo BrandChannel – Google, Apple, YouTube, Wikipédia, Starbucks, Nokia, Skype, Ikea, Coca-Cola e Toyota – a sua maioria recorre constantemente á guerrilha em seus planos de marketing. Basta fazer uma pesquisa na internet para encontrar dezenas de acções de guerrilha 'provocadas' por estas marcas. Talvez essa seja uma das razões para serem vistas como marcas com atitude”, conclui.
André Rabanea tem uma visão mais optimista sobre o estado do marketing de guerrilha made in Portugal face ao que se produz além fronteiras. “Honestamente, não vejo muita diferença. E se há diferença é ao nível dos clientes e não da massa criativa. Temos muitas marcas internacionais em Portugal, com quotas de mercado consideráveis, que fazem muita guerrilha lá fora e aqui não. Aqui têm uma postura mais conservadora. Os clientes estão na fase de fazer mupis diferentes, o que já é bom mas há muito mais para fazer”, diz. “A verdade é que Portugal reúne as condições ideais para se fazer ‘guerrilha’. Temos uma agência parceira em São Paulo e sabemos como é complicado fazer uma acção de rua pela reduzida visibilidade que a acção inevitavelmente tem – numa cidade com 16 milhões de habitantes as probabilidades de uma larga percentagem dos nossos consumidores não ser atingido pela iniciativa são muito elevadas – o que não acontece em Portugal. Aqui, uma acção bem concebida, bem implementada e bem divulgada, chegará com certeza á maioria dos potenciais consumidores da marca – seja directamente, porque se cruzaram com ela na rua, seja indirectamente, pela cobertura dos media”, defende o responsável da Torke Stunt.
Casos portugueses
Na passerelle…
Varões e autocolantes. Foram estes os únicos meios usados pela Partners para a acção desenvolvida para o clube Passerelle. “Aproveitámos todos os postes/varões da cidade de Lisboa para colar autocolantes da marca. Os varões fazem parte do imaginário deste tipo de clube, que a simples colocação de um autocolante neste tipo de suportes passava a atitude que a marca pretendia”, relata Tomás Froes, da Partners.
Fuga da Prisão
A série ainda vai no adro, mas a Torke Stunt já colocou os prisioneiros de Fox River nas ruas de Lisboa. Aquando do lançamento da série do canal Fox, a empresa de marketing de guerrilha desenvolveu uma campanha que passou numa primeira fase pela colocação de uma equipa de sete pessoas (cinco prisioneiros e dois polícias vestidos a rigor) a distribuírem flyers informativos sobre a série. Stoppers e posters foram colocados em espaços interiores como as lojas da TV Cabo, mas também pelo espaço urbano em locais inesperados. O resultado foi a fuga de prisão mais mediática de sempre.
É só passar a esponja…
A ideia era promover uma esponja da Scotch Brite de uma forma original e inusitada. A esponja tinha uma vantagem que era a limpeza de manchas nas paredes. Restava saber como fazer isso? “O cliente deixou o tema muito em aberto e também não tínhamos um orçamento muito grande”, recordo Tico Moraes, art director da campanha 3M – Esponja Apagadora. “Achámos que o melhor era arranjar algo que visualmente mostrasse na prática o que a esponja faz: é só juntar água e desaparecem as manchas na parede”. Para isso foram criados murais em cerca de 60 pontos da cidade de Lisboa onde surge em branco – como se tivesse passado por ali uma esponja – a mensagem “esponja apagadora. É só juntar água”. A proposta desenvolvida pela Beaumont Bennett, actual G2, do Grupo Grey – com direcção criativa de Frederico Saldanha – ganhou bronze na categoria de media alternativa no Clube de Criativos de Portugal.
Oops!
Linha de partida, tiro. E não é que acerta no condutor? O viral que a Strat criou para os CTT assinalando a presença da marca no Dakar andou a correr pelas caixas de correio pelo mundo fora, com direito a mais de 75 mil visualizações no YouTube e considerado o oitavo vídeo mais visto na categoria automóvel na semana em que foi lançado. “Nasceu da necessidade muito concreta do cliente anunciar a sua presença num evento como o Dakar onde marcam presença outras marcas fortes”, comenta José Carlos Campos. “Tínhamos também apenas duas semanas para o trabalho”, relembra o director criativo. Para isso, com a ajuda da Tangerina Azul, que assegura a produção do filme, criou em colaboração com a área web do grupo Strat (Web.dot) uma mecânica que passava pelo filme que remetia para um site onde os utilizadores podiam candidatar-se a um prémio no Dakar.