“Em 2010 vou fazer mais publicidade para internet do que para televisão”

Por a 14 de Julho de 2006

pedro pina

Um ano depois de assumir a direcção da McCann, Pedro Pina faz o balanço da actividade do grupo. “Está a correr bem, até melhor do que aquilo que estava á espera”, adianta o gestor. “Um ano depois, a facturação está equilibrada entre clientes nacionais e internacionais, a máquina de expansão do negócio local oleou-se e tornou-se eficiente”, completa.

Meios & Publicidade (M&P): Um ano depois de assumir a direcção da McCann já tem a agência em velocidade cruzeiro?

Pedro Pina (PP): Tenho. Há um ano a Vera Nobre da Costa tinha feito uma grande reestruturação na agência, era preciso põr a máquina de crescimento da agência a funcionar e rebalancear a facturação. O meu objectivo era ter a facturação em 50% de clientes locais e 50% de clientes internacionais, o que não existia na altura. Propunha-me também conquistar um supermercado, um banco e uma telefónica móvel e fazer pressão na área criativa para põr a McCann na vanguarda, onde merece estar. Um ano depois, a facturação está equilibrada entre clientes nacionais e internacionais, a máquina de expansão do negócio local oleou-se e tornou-se eficiente. A conquista de clientes, como os mais recentes Vigor e Modelo, prova isso perfeitamente. Cumpriu-se o supermercado e o banco. Só falta a telefónica móvel, mas se não for a telefonia móvel, há outras alternativas. Temos manifestamente uma fórmula vencedora para expandir o negócio. Isso é demonstrado quer pelo prémio que vocês nos deram (Prémio Meios & Publicidade Agência do Ano), quer no Clube de Criativos, onde fomos a segunda agência mais premiada. Os prémios de criatividade estão espalhado por todos os clientes. Às vezes há a tentação de uma campanha muito boa fazer uma agência ganhar vários prémios em diferentes categorias. O facto de sermos muito premiados é somatório de muitos prémios, em campanhas diferentes para clientes diferentes. Isso prova que também foi cumprido o objectivo de estar dois degraus acima da criatividade da agência. Está a correr bem, até melhor do que aquilo que estava á espera.

M&P: O BES optou por colocar na McCann uma parte da conta. É uma boa solução uma conta estar dividida por duas agências?

PP: Como em tudo na vida tem vantagens e desvantagens. A vantagem para o cliente, quando tem duas agências, é que não depende de apenas uma e reduz o risco da volatilidade da criatividade. A desvantagem é que a sintonia criativa é mais difícil de gerir. As vantagens do outro modelo são precisamente as opostas.

M&P: No caso do BES, a Bandeira Humana é um exemplo de uma acção que foge da publicidade tradicional e que vive da cobertura feita pela comunicação social. É este o caminho da comunicação?

PP: Estou em desacordo com muitos gurus que andam a dizer que a publicidade já morreu e que agora só há a comunicação, vulgo public relations. Acredito que tudo depende da estratégia, do produto e do mix certo. O BES conseguiu juntar, com muito mérito do cliente, vários parceiros em torno desta iniciativa. Uma marca não fala só através da publicidade. Era um erro pensar que este projecto tinha de ser apenas publicitário. Não fala só através dos grandes formatos espalhados pela cidade, pela imprensa ou pela transmissão da SIC: fala por um todo. Este é um grau de sofisticação que pode não ser novo em Portugal, mas que devia tornar-se mais recorrente. O consumidor cada vez menos vai estar á frente do sofá a ver um spot de 30 segundos. Isso vai acabar. Um dos vectores de desenvolvimento para o futuro vai ser a área digital. Em 2010 vou estar a fazer mais publicidade para a internet do que para a televisão. Portanto, tenho de começar a desenvolver essas competências aqui dentro. Perceber que o consumidor quando sai de casa ou durante as suas 24 horas está exposto á televisão, mas também a muitas outras formas de comunicação. Isso é essencial para ter sucesso. O estádio não se teria enchido se não houvesse spots de televisão, mas os spots não eram geniais, se o projecto não fosse genial. A organização de uma bandeira humana, a passagem á imprensa, aquilo que a imprensa ajudou a agregar aquelas mulheres, o entusiasmo que elas sentiram porque viram os nossos spots publicitários, os grandes formatos que forraram a cidade durante tanto tempo para passar a mensagem, o trabalho genial em que nós também estivemos envolvidos com a SIC, desde a novela Floribella, num formato inusitado, que é quando se faz com que as personagens da novela participem da novela…

M&P: Mesmo gerando comentários negativos na imprensa.

PP: Lamento. O mundo avança por disrupção. Se vamos estar á espera de ter a concordância de toda a gente não muda nada. Tudo o que foi mudado em Portugal e no mundo foi com disrupção, com polémica. Quando é preciso rasgar a forma tradicional de pensar, significa que estamos a progredir para algum sítio.

M&P: Mas não é isso que leva a uma percepção negativa da publicidade? Há um mês saiu um estudo da ITV em que a dizia que apenas uma em cada oito pessoas via a publicidade como credível.

PP: O consumidor no geral está muito mais céptico e desconfiado da publicidade, mas confia cada vez mais nas marcas. A publicidade tornou-se massificada, mal feita, e evidentemente gerou decepção. Por isso é que as pessoas se agarram á marca. A construção de marca desempenha aqui um papel fundamental. Não se trata de demonizar a publicidade, trata-se de que a má comunicação leva á decepção. Isso quer dizer que a publicidade está morta? Nem pensar, isso quer dizer que as marcas estão mais vivas do que nunca.

M&P: Depois da bandeira humana, está a ter clientes a pedir-lhe eventos desse tipo?

PP: Bandeiras humanas não. Mas estou a ter muitos briefings a dois níveis. Primeiro a presença digital está a aumentar muito. Finalmente os clientes estão a perceber que os target groups estão a passar mais tempo na internet. Por outro, já temos pedidos de acções de activação, de construção de marca através da relação do consumidor com as marcas.

M&P: Na área digital vai constituir algum departamento específico?

PP: Sim. Mas não vou dizer como.

M&P: Acaba por ser um voltar atrás, depois das agências terem criado departamentos de internet, que acabaram por fechar.

PP: É verdade, a internet era o boom, depois acabou com uma data de empresas. Agora é que a coisa está mais sólida e estável. Não vou abrir nenhum departamento com 20 pessoas, nem lançar amanhã uma marca nova. Estou é ciente que a necessidade é grande e que temos de dar esse passo para a área digital. Estou plenamente convencido de que a partir de 2010 vou facturar mais através da internet do que através da televisão.

M&P: Faltam quatro anos.

PP: Eu sei, por isso vou preparar a agência para esse desafio. Vou com cautela, mas com acções determinadas para ganhar essas competências, se não, fico para trás. Estou convencido, e estão aí os indicadores a prová-lo, que os spots de 30 segundos vão responder cada vez menos ás necessidades das marcas.

M&P: Se não fosse o escândalo Enron, o relacionamento entre as agência e clientes teria mudado? Ainda recentemente a McCann Espanha publicou um conjunto de regras relativas á transparência com os clientes.

PP: Há um perigo enorme em relacionar a Enron e a forma de relacionamento dos clientes. O escândalo da Enron veio mostrar que se podia ser mais criativo na contabilização de receitas e de custos dentro das normas do que aquilo que se pensava que podia ser. Podia conduzir á sinalização de informação errada aos accionistas. Por causa da Enron saiu o acto de Sorbonne Oxley que permite elucidar, esclarecer e forçar um conjunto de comportamentos na aplicação das regras contabilísticas que garante que os números que as empresas apresentam de receitas e de custos são de confiar e são fidedignos. Ao sair o acto de Sorbonne Oxley, houve um conjunto vastíssimo de indústrias, das quais fazem parte as agências de publicidade, a ter de fazer uma revisão das contas para saber se estavam a respeitar os critérios de Sorbonne Oxley. Eis quando, por causa disso, detectaram incongruências que foi preciso esclarecer. Esta indústria foi construída no mundo inteiro, mas mais até na Europa do que nos EUA, em cima do pressuposto que muita da sua rentabilidade era não explícita com os clientes. Se isso é legítimo ou não… parece-me é legítimo que haja determinada rentabilidade atribuída a determinadas empresas. A rentabilidade das empresas não tem de ser sempre explícita. Quando compra um iogurte não sabe quanto custa o preço do leite, nem exige saber quanto custou o preço do leite á empresa de iogurte. Mas do ponto de vista de cumprimento das regras de Sorbonne Oxley, tem de ser absolutamente explícita a forma como se interage com os clientes. Se quer a minha opinião, acho que explícito só até determinado ponto.

M&P: Como é que está a funcionar no caso da McCann?

PP: A IPG (Interpublic Group) decidiu ir além e ser completamente transparente e preferiu partir de uma base zero e começar a construir uma rentabilidade com os clientes. É um caso que vai demorar algum tempo. No caso de Portugal, tivemos imensa sorte porque há um ano não tínhamos muitos clientes locais. Os clientes internacionais estão resolvidos pelos acordos internacionais e nos locais, muito deles foram construídos á medida que foram conquistados. Toda a contratualização e relação que tenho com os clientes locais é absolutamente transparente. As poucas excepções em que assim não é, estão a ser vistas caso a caso, com toda a abertura, ninguém está com pressa. Com toda a honestidade, «isto é o que vocês nos pagam e isto é quanto ganhamos». Isso é um pouco estranho em Portugal, porque estou a fechar contratos com todos os clientes. Em Portugal não é preciso ter um contrato com um cliente para ter uma relação legalmente estabelecida. Se eu colocar um cliente em tribunal ou se for a tribunal, não preciso de levar o contrato para o tribunal analisar se temos ou não razão. A McCann decidiu que não interessa o enquadramento jurídico português. Quero ter a certeza que tenho um documento que estabelece a relação contratual entre o meu cliente e a agência para todos sabermos do que estamos a falar, o que vamos fazer e quanto é que vamos ser remunerados. Quero acabar com a história do «você paga-nos 5% da media», mas o que é media? É com IVA ou sem IVA? É com rappel ou sem rappel? Com descontos de agência ou sem descontos? Promocionais ou não? Há tanta maneira de calcular. Em Portugal se trocar um e-mail com um cliente e disser que a partir de hoje vamo-nos relacionar com 5 ou 10% de media isso vale contratualmente. Tenho uma obrigação de determinado montante que é calculado sob outro determinado montante, não se sabe é muito bem como. Há sempre margem para discussão. Eu não quero que haja essa margem para discussão. Eu quero que seja claro. Este é um processo que demora imenso tempo. Porque em Portugal não se está habituado a fechar contratos ou só se fecham por questões muito grandes. As agências, por vezes, têm relações de anos e anos com os clientes que perguntam, para quê estar a fazer isso? A verdade é que os clientes também têm razão. Para quê estar a fazer se o enquadramento jurídico não exige que haja contratos? É um trabalho penoso e nós vamos sozinhos á frente. Mas acho que este vai ser o caminho.

M&P: Já aconteceu um cliente não querer trabalhar convosco por causa disso?

PP: Pelo contrário. Há muitas coisas na nossa vida que são feitas por inércia e essa é uma delas. Falo eu que fui director de marketing. Eu próprio já trabalhei com seis ou sete agências no mundo inteiro e nunca quis ver um contrato.

M&P: Que indicações é que recebe da Interpublic para ajudar o grupo a ir para uma situação financeira melhor do que aquela que está agora?

PP: Resume-se numa frase: é preciso ser rentável. Com uma grande dificuldade, é preciso ser rentável de uma forma transparente. Há muitas maneiras de ser rentável. Agora, ser rentável de forma transparente é mais difícil.

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