Marketing na era da pirataria
Há quatro anos o mercado discográfico português valia 130 milhões de euros, hoje vale 70 milhões. As vendas caíram com o aumento dos downloads ilegais de música e a indústria teve de se adaptar a esta realidade. A forma de comunicar é apenas uma das faces desta mudança
Piratear música é punível por lei. Esta é a bandeira sob a qual as editoras têm travado a luta contra o download ilegal de música a partir da internet. As frases “Você era capaz de roubar uma mala? Você era capaz de roubar um automóvel?” são proferidas a alto e bom som em campanhas de publicidade para tentar refrear os infractores. Há alguns anos que esta guerra se trava com o encerramento de sites onde a música está disponível á distância de um clique e, mais recentemente, nos tribunais. No entanto, há danos irreparáveis porque a pirataria mudou radicalmente o mundo da música. Os prejuízos levaram á fusão entre grandes majors, como foi o caso da Sony e BMG, houve uma redução nos números de discos vendidos, mudaram as quotas necessárias para se chegar a platina ou ouro. As editoras tiveram de se adaptar a uma realidade onde quem aprecia música deixou de querer pagar por ela. Esta mudança veio alterar também a forma como estas majors se dirigem ao consumidor, as estratégias de marketing mudaram, e a forma de vender discos e produtos associados sofreu algumas mutações.
“A indústria está a tentar organizar-se de forma a recorrer mais ao uso do marketing do que á via judicial e administrativa que tem dominado o combate á pirataria. No entanto, o marketing também pode ser usado em sentido contrário como é o caso de algumas empresas que apelam, ainda que indirectamente, ao consumo de ficheiros ilegais como forma de aumentarem as vendas dos seus bens e serviços”, explica João Teixeira, director de marketing da EMI. Opinião semelhante tem Tozé Brito, presidente da Universal Music Portugal, embora considere que o marketing pode funcionar como um aliado e um opositor. “O marketing sempre foi um pau de dois bicos. Se por um lado precisamos de fazer publicidade e marketing em relação ao nosso produto, por outro lado, quanto mais marketing fazemos e quanto mais pesadas são as campanhas mais temos a percepção que mais pirataria aparece dos produtos em causa. Não podemos viver sem o marketing, mas quanto mais se fala disso, mais apetecível é para os piratas”, afirma o responsável da Universal Music Portugal.
Em queda livre
Há alguns anos o mercado discográfico português era avaliado em cerca de 130 milhões de euros. Valores que correspondem a uma altura em que os efeitos da pirataria começavam a ser sentidos, mas ainda não causavam grandes danos. Hoje está avaliado em “70 milhões de euros. Estes são dados do mercado legal, fornecidos pela Associação Fonográfica Portuguesa. A partir do momento em que passamos a vender metade das unidades que vendíamos, os discos de platina que eram 40 mil, passaram a ser 20 mil, os de ouro que eram 20 mil, passaram a ser 10 mil. Portanto, nos últimos quatro anos, vimos o mercado reduzir para 50%”, sublinha Tozé Brito.
Esta queda tem ainda como resultado a transformação da forma como se chega até ao consumidor. Se antes não era tão imperativo convencer o público a comprar um produto original, agora as estratégias têm de ser outras. “Felizmente a música era e continua a ser um produto apetecível para os media e para o público em geral, razão pela qual o marketing efectuado através de relações públicas tem, neste tipo de negócio, um relevo acrescido. Através das relações públicas, a comunicação que se obtém não só não é paga, como é de melhor qualidade, uma vez que dá maior credibilidade, ocupa melhor espaço e é menos intrusiva”, explica o responsável da EMI. De acordo com João Teixeira, os resultados com publicidade tornaram-se mais eficazes após uma “melhor segmentação do consumidor, o que permitiu uma escolha mais criteriosa e mais rentável dos meios”.
A compra de música online parece ser uma das possibilidades para a recuperação da indústria. Existem vários sites internacionais que possibilitam a aquisição de álbuns ou canções. Em Portugal são dois os portais que fornecem este serviço: musica.sapo.pt e www.musicaonline.pt. Aqui o consumidor pode fazer o download legal e ter acesso a um disco em versão integral ou escolher temas e fazer uma playlist personalizada. É para estes serviços online que as armas das estratégias de marketing estão apontadas. “Quando penso no preço de um euro por canção e esta envolve autores, músicos, compositores, intérpretes, técnicos de som, estúdios de gravação, etc, parece-me um preço ridículo. Não me lembro de nada neste mundo que se possa comprar por 99 cêntimos. É por aí que o nosso marketing vai carregar mais, é por aí que vamos passar a mensagem aos consumidores e dizer ás pessoas que o que estão a comprar é ridiculamente barato e parem de fazer downloads ilegais porque se o continuam a fazer nós vamos ter dificuldades”, sublinha Tozé Brito.
Outro dos vectores em que a indústria aposta é na apresentação do produto. As “embalagens” têm um aspecto visual mais cuidado e surgem em diversos formatos promocionais, dando ao consumidor a oportunidade de comprar um disco juntamente com um DVD ou com um livro com dados sobre o autor ou letras de músicas. “Há sempre uma coisa que vamos tentando fazer e que dá, em alguns casos, resultado, que é a apresentação do produto. Quanto melhor é, mais conseguimos atrair as pessoas para o comprarem. Por estranho que pareça, não é quando ele é mais caro que se vende menos, antes pelo contrário, ainda se vende mais. Investimos muito e vamos continuar a investir na embalagem e na apresentação do produto. Os digipacks, disco em que a caixa e o CD não são de plástico, podem ter um book de quatro páginas, outros que podem ser um livro autêntico. Há muita gente que gosta deste tipo de produto e que compra este objecto porque acaba por ser bonito e interessante”, refere o presidente da Universal Music Portugal. O exemplo dos Humanos
Para além da apresentação do produto, existem outras formas de cativar o consumidor a comprar um disco. É que são raros os casos em que o sucesso está garantido por via da associação a um programa ou novela, como são exemplos os recentes ábuns dos D’ZRT ou da Floribella. Quando questionado sobre um álbum que seja um exemplo de uma estratégia de marketing eficaz, João Teixeira destaca os Humanos. O responsável salienta que, neste caso, tratava-se de um tributo a António Variações, um “artista, que pela sua personalidade, grande talento, e morte prematura, teve a capacidade de gerar um grande envolvimento emocional com o público, envolvimento esse que tem vindo a crescer, mesmo mais de 20 anos passados sobre a sua morte”. Para o recordar juntou-se um grupo de vários artistas conhecidos para cantar os inéditos do cantor. “Com os Humanos decidimos, numa primeira fase, não apelar a nenhum daqueles trunfos mas sim a um factor mais forte, que era o envolvimento emocional que as pessoas tinham com o António e naturalmente a curiosidade em ouvir as canções que ele nunca gravou”. Toda a comunicação da primeira fase assentou neste pressuposto. Só mais tarde, quando algumas canções começaram a ser conhecidas, se apostou na excelência do próprio disco e no envolvimento com o grupo Humanos. O resultado foi a venda de mais 110 mil exemplares o que é, hoje em dia, um número muito difícil de atingir”, sublinha o responsável da EMI.
Para alcançar melhores resultados, as majors apostam em novas formas de comunicar. Uma delas, segundo João Teixeira e que surge no seguimento da estratégia adoptada para promover o disco Humanos, é a de apelar ás emoções do público. Aqui o marketing tem como papel “tornar o caminho mais curto entre o talento e o respectivo consumidor, mas também o de aumentar o número e o nível desse envolvimento emocional. Isso tem como resultado natural a defesa do produto original”. Outras das formas é a diferenciação do tipo de consumidor, bem como estratificação das estratégias de marketing. “Há um público que tem mais poder de compra e é mais velho e aí, é o produto físico que conta, depois o outro que é mais jovem e insensível a este tipo de argumentos. A este estamos a dizer que: ‘meus amigos não me venham dizer que 99 cêntimos por uma canção é caro, porque é um preço ridículo para o trabalho que dá fazer uma canção'”, afirma Tozé Brito.
Para a realização deste artigo foram ainda contactados os responsáveis pelo marketing da Sony BMG e da Farol Música, responsável pelo catálogo da Warner Music, mas até á data de fecho não foi possível obter qualquer resposta.