No meu tempo é que era bom!

Por a 22 de Outubro de 1999

Os editores de imprensa abandonaram progressivamente a atitude de meros produtores de conteúdos que alguém um dia haveria de comprar, para assumirem uma postura de mercado

Abrindo a boca de espanto, alguns incrédulos depararam com o último relatório da APCT a evidenciar uma subida generalizada da circulação dos produtos de Imprensa. Só que não se trata de um facto isolado. De há vários anos para cá que assistimos a um aumento da difusão dos jornais e revistas, contrariando os presságios dos velhos do Restelo que teimam em insistir na desgastada teoria de que os portugueses não lêem e de que os mais novos passam a vida colados ao ecrã da televisão ou do computador. São os ideólogos do “no meu tempo é que era bom”, esquecendo-se que no tempo deles grande parte da população era analfabeta, a oferta limitava-se a alguns diários de circulação urbana, as revistas eram produto quase desconhecido, os livros eram privilégio de poucos e não se imaginava sequer que um dia pudessem ser comprados no supermercado, ao lado da farinha ou do arroz. Pois, felizmente, estão enganados. No último congresso da WAN, Portugal foi apontado como um dos mercados com maior crescimento na circulação de jornais. O consumo de papéis para imprensa não cessou de crescer. Há 10 anos gastavam-se 50 mil toneladas de papel de jornal e 5 mil de revista. Os números subiram para 65 mil nos jornais e 50 mil nas revistas, ou seja, globalmente, cada família duplicou o seu consumo de produtos de imprensa. A imprensa em Portugal passa por uma revolução tranquila de que a generalidade dos analistas ainda não se deu conta. Continuamos a pegar nos exemplos da meia dúzia de títulos encerrados, seguramente por sua única e exclusiva culpa, e a profetizar o abismo e a desgraça. O que se passa é que o mercado mudou. Por um lado, os consumidores já não são os mesmos. Poucos são os analfabetos, as comunicações fáceis despertaram-lhes o interesse pelos outros e pelo Mundo, as mulheres integraram-se na vida social urbana e o início da massificação do ensino de há um quarto de século dá agora os seus frutos, gerando uma população mais instruída, se bem que ainda pouco educada. Do lado da oferta mudaram as mentalidades e, acima de tudo, triunfou o marketing. Os editores de imprensa abandonaram progressivamente a atitude de meros produtores de conteúdos que alguém um dia haveria de comprar, para assumirem uma postura de mercado, preocupando-se com os interesses dos consumidores, adivinhando-lhes as necessidades, concluindo da impossibilidade de a todos satisfazer e da inevitabilidade de segmentar as audiências e seleccionar os “targets”. Aprenderam também a manejar as ferramentas que o marketing põe á sua disposição, perdendo o acanhamento de manobrarem o preço ou a lógica da distribuição e atreveram-se a fórmulas agressivas de promoção. No fundo, passaram a actuar como gestores de produto, com preocupações muito idênticas ao de qualquer outro numa diferente área de negócio. Curiosamente, são os próprios profissionais do sector que mais dificuldade revelam em perceber que o “seu” mundo mudou e que hoje já não basta um bom conjunto de prosas para assegurar o êxito de um projecto editorial. Ainda há poucas semanas, a directora deste jornal se indignava com a “suspeita” de que uma parte dos compradores de jornais faça as suas escolhas influenciada ou determinada pelas promoções. Ora acontece que todas as decisões de consumo que tomamos são fortemente condicionadas e influenciadas por acções de promoção e marketing concebidas pelos produtores rigorosamente para isso. Passa-se assim quando compramos um automóvel, um micro-ondas ou uma gravata e não vem daí mal ao mundo, antes pelo contrário. Oferecer brindes de capa ou produtos em overpricing não é muito diferente de montar uma campanha de publicidade convencional ou planear uma acção de marketing directo. Pode ser é mais eficaz! Se algum pecado têm é o de fazerem chegar as publicações ás mãos de quem nunca as compraria sem um estímulo adicional, e fazendo com que uma pequena parcela destes ganhe a necessidade de nos ler no futuro. Apesar de tudo, numa coisa estou inteiramente de acordo com a Cristina Dias Neves. Sem acções de marketing os números da APCT seriam mais baixos. A grande diferença é que eu fico feliz com isso e a minha amiga fica muito preocupada…

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