Concentração, monopolização e papões
As leis económicas aplicam-se a qualquer tipo de serviço ou produto. A Lei de Imprensa visa a multiplicidade dos conteúdos.
Várias notícias relacionadas com a propriedade de órgãos de comunicação social encheram recentemente os jornais, algumas ocupando mesmo lugar de destaque o que não deixa de ser novidade quer pela tradição existente dos suportes de comunicação não falarem de si mesmos quer por ocorrer em época em que as notícias abundam e são de grande importância nacional e internacional. Estes factos são apenas a face visível de uma lenta, mas recente, transformação dos conceitos de concentração e de monopólio na comunicação social em Portugal. O que estas notícias mostram não é já a preocupação monopolista dos conteúdos que foi responsável pelas primeiras legislações anticoncentracionais e antimonopolistas do fim dos anos 60 e dos princípios dos anos 80, quando assegurar a circulação de informação baseada em informação múltipla constituía uma das bases da democraticidade dos regimes políticos e das sociedades economicamente desenvolvidas. O que está agora em causa é o mercado, o mercado da informação que define hoje o que são info-ricos e info-pobres onde ontem procurávamos a diferença entre a livre circulação da informação e o acesso a múltiplas fontes de informação. A sociedade não esteve estática nestas últimas décadas, e, a par de uma nova consciência social e de uma nova dimensão do universo, o valor e o papel da informação transformou-se na “mercadoria” mais valiosa e mais cara de produzir com uma audiência cada vez maior. Por isso, a lógica empresarial que sustenta este sistema de produção mudou também, os “rótulos” desta “mercadoria” passaram a ser mais atractivos e decorativos, as “marcas” desta “mercadoria” entraram numa lógica de mercado, associando “brindes” ou coleccionáveis aos seus produtos principais para manter a fidelidade e a continuidade de venda que a informação-espectáculo audiovisual põe constantemente em causa fazendo com que o leitor/consumidor de informação escrita navegue ao sabor das propostas promocionais sejam elas dos rótulos (os títulos, os subtítulos, as fotografias e suas legendas), sejam elas dos brindes ou dos coleccionáveis. Esta nova lógica da relação do leitor/cidadão/consumidor da informação escrita – e não quero aqui incluir as revistas temáticas e especializadas porque essa é uma análise mais especifica – não pode deixar de ter também efeitos na estrutura empresarial que suporta a edição de jornais. E, uma vez mais, é preciso ter a noção da realidade da dimensão empresarial portuguesa. Facilmente se pode compreender que a associação de empresas (qualquer que seja o grau institucional por que se traduza ) é a única solução de sobrevivência para a imprensa regional e local confrontada com uma perda progressiva dos mercados distantes (migrantes e emigrantes) e com um aumento do interesse dos mercados próximos (concelho-sede e limítrofes), quer no que diz respeito aos leitores/compradores quer no que diz respeito aos anunciantes. Esta é uma área empresarial onde assistiremos a concentrações que não se traduzirão por monopólios. As forças culturais e a especificidade de informação regional e local impedi-lo-ão. O benefício, neste caso, será sem dúvida para os leitores e para os anunciantes. Mais difícil de analisar é a questão a nível nacional. O modelo das concentrações monopolistas tinha como objectivo o controlo dos conteúdos. O modelo das concentrações empresariais tem por base a racionalização dos meios de produção e a rentabilidade das empresas. As concentrações na imprensa de informação noticiosa escrita são inevitáveis e seguramente a única via de sobrevivência de uma das mais variadas e ricas imprensas regionais e locais da Europa. A diferença entre a concentração e o monopólio está no conceito que as regula. Num caso as leis económicas , no outro a Lei de Imprensa. As leis económicas aplicam-se a qualquer tipo de serviço ou produto. A Lei de Imprensa visa a multiplicidade dos conteúdos. A concentração não monopolizada assegurará (deverá assegurar) maior profissionalismo na produção dos conteúdos, maior segurança para os produtores da informação (os jornalistas) e maior qualidade no produto final, tudo em benefício do leitor. O problema que fica por resolver são os papões. Durante anos o papão era o encerramento de um jornal, sempre considerado uma perda cultural e um irremediável empobrecimento do leitor. Agora o papão são as condições de venda do produto (leia-se do suporte e da publicidade) que põem em risco a rentabilidade da empresa e por isso levantam outra vez a possibilidade de encerramento de um jornal. O problema visto do lado do mercado é um problema de dimensão das empresas portuguesas. Mas pelo menos neste sector da imprensa escrita podemos ter uma certeza. Os portugueses não se habituarão nunca a ler os jornais espanhóis por muito bem feitos e pluralistas que sejam. Este sim, é o papão da nossa sobrevivência cultural.