Respeito
De repente, todos tiveram um acesso de altruismo. Todos esqueceram os seus próprios problemas e decidiram dedicar-se aos males do mundo. Preferiram as paradas aos almoços, as petições ás piadinhas. Um estranho fenómeno, de facto. Muito gostaria eu de saber como é que tudo isto se processa. Lembro-me sempre do Live Aid e desse tipo de iniciativas, que num ano fizeram com que todos tomassem consciência de que existia fome em África e que, pouco depois, todos se esquecessem. Lembro-me também dos vários massacres que tem vindo a sofrer a população de Timor ao longo destes anos. E dos muitos massacres de que foram alvo outras populações. Dos miseráveis que andam a pedir nos semáforos, das crianças abandonadas por Lisboa. O que é mais grave na questão timorense? O que é que levará as pessoas a levantarem-se do sofá para irem manifestar-se na rua, a colarem panfletos no vidro do carro, a vestirem-se de branco, a enviarem e-mails para as Nações Unidas? Não sei responder. Não percebo se isto é só solidariedade genuína para com um povo que nos é querido. De facto, poderia ser. Mas, então, porque é que não existem estas manifestações quando sabemos que há guerra em Angola? Que milhares de pessoas são obrigadas todos os dias a abandonar as suas casas e que outras tantas morrem sem sequer chegarem a existir? Por que razão não temos a mesma atitude quando sabemos que existem inúmeras pessoas que ficam anos á espera de serem operadas nos hospitais públicos e que, quando as chamam, já é tarde de mais? Concluo que este fenómeno só pode mesmo ser analisado á luz da psicologia social. Decerto existem razões, que não as mais óbvias, para o que se está a passar. O orgulho nacional ferido, a influência, enfim… um sem-número de razões que eu confesso desconhecer. Temos uma vítima, o povo de Timor, um agressor, a Indónésia, um bode espiatório, a ONU, e uma arma invencível, a comunicação social. Todos a utilizam, tal como os soldados utilizam as suas armas na guerra, em defesa da pátria, da justiça e, muitas vezes, deles próprios. Esta semana deixamos em branco o espaço do cartoon, por respeito para com o sofrimento alheio.