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Opinião

O problema de comunicação do ativismo climático

“É com mel que se apanham as abelhas” é umas das minhas expressões populares preferidas, uma pérola de sabedoria popular que traz em si um insight tão elementar sobre as relações humanas: se queremos convencer outras pessoas do nosso ponto de vista e envolvê-las de forma positiva na adoção de um novo comportamento, não é de forma hostil que o vamos conseguir eficazmente. É conquistando-as e trazendo-as para o nosso lado.

Opinião

O problema de comunicação do ativismo climático

“É com mel que se apanham as abelhas” é umas das minhas expressões populares preferidas, uma pérola de sabedoria popular que traz em si um insight tão elementar sobre as relações humanas: se queremos convencer outras pessoas do nosso ponto de vista e envolvê-las de forma positiva na adoção de um novo comportamento, não é de forma hostil que o vamos conseguir eficazmente. É conquistando-as e trazendo-as para o nosso lado.

Rudolfo Nobre
Sobre o autor
Rudolfo Nobre

O facto de a ideia ser ilustrada com abelhas, uma espécie reconhecidamente importante para o equilíbrio dos ecossistemas, acaba por ser uma feliz coincidência, tendo em conta o ponto onde quero chegar: a falta de eficácia da comunicação do ativismo climático.

Têm-se multiplicado, nos últimos tempos, as ações de movimentos de ativismo climático com maior impacto mediático: arremesso de tinta a governantes e de sopa a obras de arte, quebra de vidros de fachadas de lojas e grandes empresas, cortes de trânsito em hora de ponta ou de pneus de SUV esvaziados na via pública. ‘Vândalos’, ‘anarquistas’ e ‘fanáticos’ são algumas das formas menos simpáticas (e, dentro dessas, as ‘mais’ simpáticas) que vi serem usadas para referir os autores desses protestos. A discussão sobre se foram longe demais ou se era o necessário para acordar uma população adormecida instalou-se. E passou a ser essa a discussão: o método e os seus autores.

Perdeu-se o foco na mensagem e alienou-se parte do público-alvo, porque lhe foram criados problemas com impacto imediato (correr o risco de ser despedido por não chegar a horas ao trabalho, inutilização do carro que satisfaz as necessidades da família…) que ofuscaram os problemas de médio prazo.

As alterações climáticas são um problema real e urgente, são um problema partilhado, cuja solução é possível, mas que depende de todos. Esta tem de ser a mensagem. Aquilo a que temos assistido é uma comunicação que nos está a virar uns contra os outros: ‘nós contra eles’ em vez de “nós contra as alterações climáticas”. É uma polarização do discurso que só nos leva à desinformação e ao negacionismo.

Um argumento em seu favor poderia ser o de estas ações funcionarem como um megafone necessário para gerar awareness sobre a questão. Mas será que estamos nessa fase da jornada? Um estudo de 2020, desenvolvido pelo Reuters Institute e pela Universidade de Oxford, estima que 85% dos portugueses considera as alterações climáticas um problema “muito ou extremamente sério”. Diria que já passámos essa fase e que nos devemos focar mais no meio e no fundo do ‘funil’, para envolver a população e converter comportamentos.

Para isso, a mensagem tem de ser mais relevante para a audiência. Audiências, na verdade, porque aquilo que realmente importa, o impacto que as alterações climáticas têm no dia a dia das pessoas, faz-se sentir de formas diferentes. Bem como a adoção de comportamentos e decisões com que cada um se pode comprometer – nem todos podemos ter carros elétricos de €40 mil, depender da rede de transportes públicos ou viver em casas eficientes. Mas todos podemos fazer alguma coisa.

É preciso comunicar para além dos factos científicos (que nem sempre são facilmente compreensíveis), dos fenómenos meteorológicos extremos (que ainda vemos como algo que vai acontecer algures no futuro) e dos ursos polares (que nunca nenhum de nós viu). É preciso estabelecer uma relação direta entre as alterações climáticas e aquilo que importa a cada um: desde o preço de certos produtos que aumenta porque os recursos necessários à sua produção (como a água) escasseiam, à instabilidade social decorrente de influxos migratórios de refugiados climáticos (segundo a Agência da ONU para Refugiados, são mais de 20 milhões todos os anos).

Ir para além do medo e das mensagens apocalípticas, que chamam a atenção, mas geralmente não estimulam a ação. Ir para além da culpa e da provocação de vergonha por comportamentos pouco sustentáveis, que desencadeia um mecanismo de defesa que nos leva a criar justificações para as nossas ações, em vez de uma reflexão sobre o quadro geral do problema.

Adotar uma narrativa de esperança para transformar o medo em algo produtivo, mostrar o caminho que já se fez, que a transformação necessária está ao nosso alcance e mobilizar a população para os desafios que enfrentamos. Lembram-se do “vai ficar tudo bem”? Eu diria que ficou. A luta contra as alterações climáticas faz-se envolvendo a sociedade numa mudança coletiva de comportamentos e políticas. E eu não tenho memória de alguma vez ter convencido alguém de alguma coisa ‘gritando-lhe’ aos ouvidos. Esse é, talvez, o mais elementar erro de comunicação.

Opinião de Rudolfo Nobre, estrategista sénior da Fullsix

Sobre o autorRudolfo Nobre

Rudolfo Nobre

Estrategista Sénior da Fullsix
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