“Adoro dizer aos clientes: ‘Fuck business plan’”
Há ano e meio que João Flores é director criativo executivo na Dentsu X de Singapura. Como é trabalhar no mercado asiático marcas como Disney, Netflix e Huawei? Logo no […]
Rui Oliveira Marques
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Há ano e meio que João Flores é director criativo executivo na Dentsu X de Singapura. Como é trabalhar no mercado asiático marcas como Disney, Netflix e Huawei?
Logo no início da entrevista João Flores pede desculpas pelo uso frequente de palavras em inglês. Encontra-se desde Novembro de 2017 em Singapura como director criativo executivo da Denstu X. No ano anterior tinha ocupado o mesmo cargo na HorizonFCB do Dubai. Em Portugal passou, como redactor, pela Lowe, Ogilvy, BAR e BBDO, e foi director criativo na Niu e na Cheil Ibéria. João Flores, antes de entar na publicidade, foi jogador profissional de futebol no Benfica, Marítimo e FC Zwolle (Holanda). O também campeão europeu de futebol sub-16 (Áustria 1996) em discurso directo.
Meios & Publicidade (M&P): Que trabalho tem neste momento em mãos?
João Flores (JF): Estamos com Avengers: Infinity War, da Disney, que é um dos nossos principais clientes. Estamos com uma campanha muito interessante de transformar paragens de autocarro. É uma campanha forte e global. Temos a Huawei para quem estamos a lançar o P30.
M&P: A Dentsu X de Singapura funciona como um hub regional?
JF: Do nosso grupo de clientes, tanto a Disney como o Netflix são regionais.
M&P: A Disney vai lançar uma OTT, como conseguem trabalhar as duas marcas?
JF: Eles sabem que trabalhamos tanto um como o outro. Nós tínhamos Disney para Avengers: Infinity War para Malásia, Tailândia, Vietname, Indonésia, Cambodja e Singapura. Com Netflix temos 13 Reasons Why e Narcos para a Tailândia. O approach é por mercado. A conta da Huawei é regional também. Na verdade são poucos os clientes que temos apenas para Singapura.
M&P: Como é o ambiente publicitário em Singapura? As outras networks aí instaladas também trabalham para a região?
JF: Singapura é Tier 1. Temos Nova Iorque, Tóquio, Londres e Singapura como hub da Ásia. O mercado é bastante sofisticado e as agências são altamente competitivas. As networks, quer a WPP, a Omnicom, a Dentsu ou a Cheil, são muito estruturadas. Isso torna as coisas mais competitivas, mas também mais interessantes e com budgets maiores. Os clientes trabalham daqui para a região e para o mundo.
M&P: A Dentsu X, na descrição da agência, refere que junta psicologia, tecnologia e criatividade. Que fórmula é esta?
JF: A Dentsu está num processo de globalização. É muito forte no Japão, à frente de qualquer outra e está neste momento a globalizar-se como network. É fortíssima em data, análise e insights, analisa a psicologia por detrás da data. Como criativo nunca experimentei algo tão detalhado e informativo. A Dentsu X tem essa data muito forte. A equipa de media está aqui connosco. Somos full integrated service, algo que há uns 15 anos deixou de existir. Adoro dizer aos clientes: “Fuck business plan”, “Fuck media plan”. É mesmo rasgar os planos de media padronizados e fazer algo que faz sentido para aquele cliente.
M&P: Na agência quem manda? É a criatividade ou a media?
JF: Isso já nem se coloca. Para simplificar a terminologia o que fazemos é criatividade. Há duas formas de entrada de trabalho: uma é através de media briefings. A Disney é muito de impacto, outdoor, activação, conteúdo e RP. Como temos esse ponto de entrada temos de pensar como é que isso pode ser interessante criativamente. Depois há a Huawei, que não tem duas campanhas iguais. Estamos a lançar o P30, que tem uma ideia core que é o Rewrite The Rules e portanto pode ser qualquer coisa. É a ideia que lidera o ecossistema. A media trabalha directamente connosco pelo que fazemos um plano de meios à medida da ideia.
M&P: A Ásia está a liderar a transformação digital. O uso que os consumidores fazem da tecnologia está muito mais à frente do que na Europa. O que nos pode contar sobre o que vem aí nesta área?
JF: Das coisas mais chocantes que tive relacionado com a nossa indústria foi quando fui à Huawai, em Shenzhen, que é a Sillicon Valley da China. Estava no aeroporto a pensar: “Minha Nossa Senhora, o que andamos a fazer, eles estão 10 anos à nossa frente!”. Refiro-me à sofisticação e interacção de mobile, à digitalização, à internet of things de uma forma simples. Singapura já parece que está à frente, mas a China está ainda mais na forma como se compra e como se paga. Estamos a falar de reconhecimento fácil, paga-se tudo com o telemóvel. O telemóvel é a carteira, o cartão de entrada na empresa… As pessoas vão a uma roulote de rua e já não usam dinheiro.
M&P: A Huawei tem estado no centro de várias polémicas pelo mundo. Em Portugal talvez não haja muita ideia sobre como é a marca em termos de comunicação. Como é a Huawei como cliente?
JF: É bastante interessante. Trabalhei Samsung dois ou três anos em Portugal e Espanha, quando estava na Cheil. Quando vim trabalhar a Huawei estava à espera da mesma cultura de trabalho, de viver muito dentro das estruturas internas e das hierarquias. Na verdade, não é assim. É um cliente altamente inovador do ponto de vista de marketing, super digital e super interactivo. Tem uma consciência global enorme. Estamos a falar de pessoas que estudaram em Harvard, Oxford, que têm uma globalização muito maior do que aquela que achamos que têm. Durante anos viram o que os outros estavam a fazer, mas agora são trend setters. Por exemplo, a Burger King anda muito atenta e responde ao McDonald’s. Isso é algo que a Huawei não quer fazer. Nunca ataca para ser agressiva com os outros. O objectivo é falar sobre nós próprios e o que temos de bom. Eu era um Apple Fan, mas todos os produtos da Huawei são mais sofisticados. A diferença é constrangedora.
M&P: Referia que a Huawei queria fazer o seu próprio caminho, mas tem um case study da Huawei relacionado com a Apple. Decidiram oferecer power banks a que estava numa fila para comprar um novo iPhone. A acção viralizou, com 335 mil partilhas o que vale 350 milhões de dólares em termos de publicidade gratuita. Foi notícia em todo o mundo…
JF: E isso foi em apenas 48 horas. O que aconteceu foi mesmo real, mas foi uma acção de charme. Não estávamos contra o produto. Estávamos a ajudar as pessoas que se encontravam na fila porque elas iam precisar realmente de um power bank já que não iam ter bateria para a noite inteira.
M&P: Qual o projecto que desenvolveu na Dentsu que lhe deu mais gozo?
JF: Disney é interessantíssima de trabalhar. É uma marca de sonho. A campanha do ano passado, Infinity Wars, foi espectacular porque teve um impacto grande, teve muitos pontos de contacto com o consumidor. Ainda ontem estivemos com drones na Malásia, hoje estamos com mupis interactivos que passam para chat box. Temos clientes fantásticos. Os clientes estão disponíveis para a inovação e para coisas diferentes. A acção iJack foi a campanha que fiz com mais impacto no mundo. Não estávamos à espera que tivesse esse impacto. Em Singapura é um tipo de acções que não acontece muito, não há tanto essa atitude de ser disruptivo, de entrar na vida de pessoas. Disney e Huawei foram as acções que tiveram mais interesse. Fizemos agora outra acção para o Singapore Turism Board, com o Accor Hotels, muito interessante.
M&P: Neste caso foram buscar uma pessoa que tinha estado de férias em Singapura mas não tinha gostado da experiência.
JF: Foi numa altura em que Singapura estava a ser apontada na imprensa internacional como boring. Fizemos um social listening mundial com comentários boring sobre Singapura no TripAdvisor, Facebook, Expedia. Corremos o mundo à procura destas pessoas. Fizemos uma shortlist de 100, o cliente filtrou para 50, depois passou para dez, entrevistámos essas dez pessoas. Passou-se para uma shortlist de três e escolhemos este canadiano que tinha estado em Singapura por um dia. Chamámos o rapaz outra vez. Ele esteve cá três dias, teve uma experiência totalmente diferente guiado pelos maiores influencers da cidade. Os resultados foram incríveis. Aliás, ganhámos na semana passada um prémio do Singapore Tourism Board com esta ideia.
M&P: Quantas pessoas tem a agência? É um ambiente multinacional?
JF: Tem à volta de 65, 70 pessoas. No departamento criativo são cerca de 16 criativos, mais a operations manager e project manager. Não acredito na famosa dupla copy e art director. Há projectos em que pode haver um copy e um art director, mas podem também ser dois art directors, dois copys, um designer… Depois, por esta necessidade de ser mais interactivo e digital temos digital designers, UX, redactor de conteúdos, copywriters. A estrutura é completamente horizontal. Um director criativo executivo e um estagiário estão ao mesmo nível. O ambiente não é tão multinacional como no Dubai. Em Singapura o ambiente é multicultural mas asiático, enquanto no Dubai é mais o espírito Nações Unidas. Tenho criativos da Malásia, da Indonésia, do Vietname, mas a maior parte são singapurianos. Há uma espanhola. Quando cheguei eram 12 pessoas, só a espanhola é que continua cá.
M&P: O que aconteceu às restantes pessoas?
JF: Troquei a equipa toda, contratei pessoas completamente diferentes. Acredito que o perfil dos criativos tem de ser um pouco mutante, versátil e multitarefa. Gasto muito tempo a entrevistar as pessoas porque é um tipo de perfil que quero encontrar.
M&P: É normal em Singapura chegar um novo director criativo e mudar totalmente a sua equipa?
JF: Na verdade, não queria mudar, nem tive essa atitude de mudar toda a equipa. As pessoas que cá estavam tinham talento, mas o mindset não estava lá, foi uma mudança gradual. O departamento era muito tradicional, havia copys, arte, com várias hierarquias: estagiários, juniores, séniores, director criativo, director criativo executivo. Tinha sete layers de hierarquia, agora é tudo horizontal. As pessoas não se sentiram confortáveis, saíram e tive de encontrar os perfis certos.
M&P: Como surgiu a oportunidade de carreira internacional?
JF: Quando estava na BBDO comecei a sentir que precisava de mais mercado. Portugal tem talento, a criatividade está lá, há bons clientes e que acreditam nas ideias, mas o mercado não tem dimensão suficiente para fazermos tudo o que queremos fazer. A Cheil era mais pequena, mas ia muito à Alemanha, trabalhei uns meses em Frankfurt, fui para Londres também com a Cheil. Comecei a pensar que, se calhar, lá fora ia ganhar outra dimensão.
M&P: Na Cheil trabalhava apenas a Samsung.
JF: Que é também televisões, telefones, ar condicionado, máquinas de lavar, depois patrocinam, por exemplo, a selecção portuguesa. Pode parecer que só estamos a trabalhar Samsung, mas estamos em territórios e passion points muito diferentes. Digo sempre que a Cheil mudou a minha vida para melhor. Nessa altura o vice-presidente criativo da Cheil estava em Cannes e o CCO da FCB perguntou se conhecia alguém para director criativo no Dubai, que fosse versátil, mais conceptual e ele recomendou-me. Foi assim que recebi a proposta. Falou comigo numa quinta-feira, fiz a entrevista na sexta, no sábado enviou-me o contrato, que assinei no domingo.
M&P: Antes de entrar na publicidade foi jogador profissional de futebol. O que lhe deu o futebol?
JF: A capacidade de lidar com a pressão, nunca entro em pânico. Estou sempre tranquilo mesmo que o mundo esteja a cair à minha volta. É algo que na minha profissão é uma qualidade e que vem do futebol. Depois, sou altamente competitivo. Adoro pitch mode. Isso também vem do futebol, porque deu-me disciplina, ambição de atleta, capacidade de superação. Há aquela ideia de que o dia mais feliz das nossas vidas é quando nascem os nossos filhos. Sou pai. A minha filha é de facto uma luz na minha vida, mas o dia mais feliz da minha vida foi o primeiro dia em que entrei na Lowe. Percebi que aquilo era eu, que não tinha de fazer esforço. Dou sempre o meu máximo para ter sucesso e para que as coisas aconteçam. Quando entrei na publicidade tinha o estereótipo do futebolista, queria que me reconhecessem por ser criativo e por ter boas ideias. Passados estes anos reconheço o que o futebol me deu.
M&P: Chegou a estudar publicidade?
JF: Era atleta de alta competição, mas nunca parei de estudar. Quando deixei de jogar o meu objectivo era ir para a faculdade e estar cinco anos a tirar Marketing e Publicidade, depois seria criativo de uma agência. Tive uma felicidade de conhecer a Carla Bento, que na altura era supervisora da Proximity e agora está na Austrália. Ela tinha sido jornalista d’A Bola e seguia o Benfica. Ela aconselhou-me a ir para a ETIC, em vez de ir para a faculdade. A ETIC é que me possibilitou entrar na Lowe. Fui depois tirando outros cursos como guionismo, construção de personagens. Por isso é que procuro pessoas com caminhos irracionais.