“Pediram-me milhão e meio para filmar na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra”
A área de service valerá cerca de 80 por cento do mercado da produção publicitária em Portugal. João Holbeche Beirão, vice-presidente da Associação Portuguesa de Produtoras de Filmes de Publicidade, […]
Rui Oliveira Marques
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O destino Portugal também virou moda na área da produção de filmes publicitários. João Holbeche Beirão, vice-presidente da AP – Associação Portuguesa de Produtoras de Filmes de Publicidade com o pelouro da área de service e responsável pela Made in Lisbon, explica a diferença entre o quotidiano das produtoras de service e as exclusivamente nacionais: “Além de ter mais dinheiro para produzirmos e de ter outros desafios em termos de produção, o mercado nacional tem orçamentos muito limitados, não crescem. Depois há outras situações no mercado nacional: os pagamentos, os atrasos, etc., etc…”
Meios & Publicidade (M&P): Até Março deverá arrancar o Portugal Film Comission, que será gerida pelo ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual. É uma boa notícia para o sector?
João Holbeche Beirão (JHB): Existe já um site, o Picportugal.com. Não sei como é que a Portugal Film Comission irá funcionar. As entidades públicas não gostam muito de andar de umas áreas para as outras, do governo para as autarquias e das autarquias para o governo. Temos de ver como é que vai funcionar. Lutamos há vários anos para ter uma facilidade de abertura com a Câmara de Lisboa que não conseguimos. Não me parece que seja de repente que tudo isto vai mudar. Temos muitas restrições e dificuldades de autorizações e de pedidos de parqueamento. Com alguma luta vamos conseguindo e vamos fazendo o nosso trabalho. Vai haver agora na Câmara de Lisboa uma reunião para que não nos dificultem tanto as coisas.
M&P: No caso da capital portuguesa e da já existente Lisbon Film Commission, o que podia ser melhorado?
JHB: Mesmo para a Lisbon Film Commission, que é só uma pessoa, não é fácil ultrapassar as burocracias, mas o service vai crescendo. Contornamos e encontramos soluções para fazer o nosso trabalho, às vezes apoiados em privados e em localizações que não careçam de autorizações camarárias ou de juntas de freguesia.
M&P: Já perdeu trabalho por questões de burocracia ou atrasos?
JHB: Quando ganhamos um trabalho não temos estas questões fechadas, elas só surgem depois. Normalmente evitamos passar isso para o lado dos clientes. Dificulta-nos o trabalho interno porque a polícia não é marcada sem uma licença da Câmara, a licença da Câmara chega tarde e a polícia não pode ser marcada… Tudo encadeia. Temos de andar à procura de lugares para os carros porque não temos lugar para estacionar. Somos multados porque temos as coisas fora do sítio. Já fui multado por ter um tripé fora da área que estava reservada para mim. Aparecem os fiscais da Câmara, não se identificam, fotografam de longe e vão-se embora. Não há contra-argumentação. Se preciso de montar mais uma tenda porque está a chover, sou multado. Normalmente filmamos com produtoras que vêm de fora, que são iguais a nós, mas também vêm com clientes e às vezes com VIP. Nesse dia em que fui multado por causa do tripé tinha uma tenda para o David Beckham.
M&P: Estamos a falar ao nível de Lisboa, mas como funciona se, por exemplo, quiser filmar na ponte 25 de Abril?
JHB: As pontes têm alguns requisitos e cuidados, o que é normal. Tem de ser bem estruturado e pensado. A Associação de Produtoras tem um acordo com a Infraestruturas de Portugal em que temos uma via mais aberta para pedir autorizações para estradas, pontes, viadutos e alguns monumentos.
M&P: Quanto se paga para poder usar a imagem de um monumento nacional?
JHB: Depende do que vamos filmar. Alguns fazem-se pagar caro. Já me pediram 20 mil euros e um milhão e meio para filmar na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra.
M&P: Por um anúncio?
JHB: Nos dois casos eram anúncios. Um filmei e paguei 20 mil euros. Mais tarde quis filmar outra vez e pediram-me um milhão e meio. A justificação que me deram era que se em Versalhes tinham determinado valor, ali também podiam pedir esse valor. Disse que eu também estava no direito de recusar e aí perdi o filme. O cliente não ia pagar um milhão e meio para filmar na biblioteca de Mafra. Foram para outro país. Agora como há mais trabalho, as coisas tornaram-se caras. Pede-se mais dinheiro do que há uns três ou quatro anos. Mafra foi um dos exemplos. Às vezes quero filmar num palácio, num bar ou noutra coisa qualquer e disparam logo os preços. Disparam porque não querem mesmo disponibilizar os espaços ou então porque acham que estão no direito de pedir esse valor. Nós estamos no direito de aceitar ou não. Normalmente o que fazemos é arranjar outras soluções e outros sítios para filmar. Em última análise, como já aconteceu, construímos em estúdio. Temos cá bons directores de arte, bons construtores e bons estúdios.
M&P: Há a ideia de que vêm cá filmar por causa do tempo, da luz…
JHB: E porque há alguma facilidade para filmar. Em Espanha filmar com crianças requer uma autorização que demora um mês a obter, cá não temos essa burocracia. Em Espanha não se pode filmar com drones, cá pode-se filmar em algumas partes da cidade. Vêm cá por várias razões. Os custos para construir em estúdio também são mais baixos. Já fiz um anúncio todo em estúdio para a Conforama em França. Foi tudo construído, embora tenha vindo um camião cheio de mobílias. Não houve um único dia na rua.
M&P: Qual é a diferença de preços praticados em Portugal e nesses países?
JHB: Até há uns tempos os custos em França eram 25 a 30 por cento mais caros do que em Portugal. Em Espanha era à volta de 10 a 15 por cento. Há minutos recebi um mail de um produtor inglês que me estava a perguntar como era filmar com drones em Lisboa, porque já sabe que em Espanha é completamente proibido.
M&P: Quais são os países concorrentes de Portugal na área de service?
JHB: No Verão Espanha e os países de Leste. No Inverno, temos a concorrência da África do Sul. Mesmo assim nós temos bons dias nesta altura. Na semana passada estivemos quatro dias a filmar na rua e apanhámos um óptimo tempo. Normalmente o cliente olha para a meteorologia e acha que é mais seguro ir para a África do Sul. Temos a sorte de ter à volta de Lisboa num raio de 50 quilómetros montanhas, praias, floresta, lagos, estradas…
M&P: Há o perigo de haver uma saturação, tal como aconteceu há uns anos com Praga e Budapeste, em que se percebia que os anúncios eram filmados no mesmo sítio?
JHB: Lisboa também é uma cidade pequena, não temos muito por onde fugir. Está nos realizadores e nos directores de fotografia escolher ou inventar os melhores ângulos. Mas ainda estamos longe de esgotar Lisboa porque à volta há muitos locais. O grosso das nossas filmagens não são os carros, que é o que mostra Lisboa. São os interiores. Estive agora a fazer um filme de quatro dias todo em interiores e aí dificilmente se reconhece a localização.
M&P: Em termos de captação de service, em que posição é que Portugal se situa perante Espanha, África do Sul ou Chile?
JHB: A África do Sul e América do Sul têm produções em épocas diferentes das nossas. Depois eles caem e nós começamos a subir. Em termos de ranking europeu, na altura da nossa época alta nós estamos a par de Espanha. É muito caro filmar em Itália ou em França.
M&P: Não se sabe quantos filmes publicitários em regime de service são produzidos em Portugal, mas que números tem para apresentar em relação à Made in Lisbon?
JHB: Se me perguntar no início do ano do que estou à espera de fazer este ano, respondo que não sei. Tanto posso dar 100 orçamentos e fazer 10 filmes como dar 300 e fazer cinco. Se for ao banco pedir um empréstimo para a empresa e me perguntarem qual a facturação, posso mostrar a facturação dos últimos cinco anos mas não consigo prever. No ano passado fizemos cerca de 15 filmes, mas há uns que são mais pequenos que outros. Às vezes há uns de um dia, outros que têm fotografia – e há projectos de fotografia que são bem grandes, às vezes até melhores em termos de orçamento do que os dos filmes.
M&P: Muito do trabalho que faz é parecido com o das produtoras nacionais. Por que vale a pena especializar-se em service?
JHB: Eu vinha das agências, trabalhei vários anos na Euro RSCG e passei para este lado em 2001. Comecei por ser uma produtora nacional. A pouco e pouco comecei a fazer service e em 2007 já era completamente uma produtora de service. O service tem outros desafios que o mercado nacional não tem. Além de ter mais dinheiro para produzirmos e de ter outros desafios em termos de produção, o mercado nacional tem orçamentos muito limitados, não crescem. Depois há outras situações no mercado nacional: os pagamentos, os atrasos, etc., etc..
M&P: Não é viável manter as duas áreas?
JHB: Há quem mantenha, mas eu não quero. O meu colega de direcção da AP [Miguel Varela, da Garage], por exemplo, tem as duas áreas.
M&P: Quanto é que valerá o service em Portugal?
JHB: De tudo o que está à volta do mercado dos filmes publicitários, 80 por cento do trabalho é para o service, o resto é para o mercado nacional. O mercado nacional não tem meios para alimentar toda esta gente da produção, da parte técnica, dos décors, da construção. Além disso, o service dá indirectamente receitas para a Câmara de Lisboa, hotéis, restaurantes, visibilidade à cidade, etc., etc. Quando comecei no service, e há colegas que começaram há mais tempo, não existia este boom do turismo. Acredito que o service tenha ajudado de alguma maneira a promover Lisboa e o país.
M&P: Também sente que o país está na moda e que agências e produtoras querem perceber o que se passa em Portugal?
JHB: Sim, sentimos um bocado que as pessoas também vêm cá porque ouvem falar de Portugal. Há também muito mais conhecimento sobre Portugal do que há uns anos quando tínhamos de fazer este trabalho de promoção. Não é um trabalho fácil, ir lá fora, bater às portas. Este mercado não é enviar uns e.mails e ficar à espera que nos respondam. Temos de ser pró-activos, ir a feiras, bater às portas e é muito boca-a-boca com freelancers que vieram cá uma vez, gostaram e recomendam a outra produtora. Quando arrancámos não se ouvia falar de Portugal. Nessa altura preferiam ir para Espanha. Hoje em dia isso já não acontece. As novas produtoras de service já têm uma porta aberta que nós não tínhamos no princípio.
M&P: De qualquer forma, porque não existe um esforço concertado da Associação de Produtoras para promover o país?
JHB: Cada produtora faz os seus contactos. A Film Commission e o Turismo de Portugal estão a promover Portugal como um todo. Essa parte do trabalho está a ser feito. O nosso trabalho rege-se pela confiança, tem muito dinheiro envolvido. As pessoas precisam de confiar umas nas outras para dar o trabalho. Às vezes, se alguém estraga alguma coisa não é esse que estragou que fica em causa, é Portugal. Dizem: “Eles, em Lisboa”. Em termos de associação, além da Infraestruturas de Portugal, estamos a tentar ter mais protocolos com outras entidades. Mas isto leva tempo. A associação era pequena, tinha só as produtoras nacionais, depois juntaram-se as produtoras de service e cresceu. Tinha poucas produtoras de service e de repente vieram 14. Actualmente a percentagem de associados é maior do lado do service do que das produtoras nacionais.
M&P: Não era importante promover o país, por exemplo, no Festival de Cannes?
JHB: O Turismo de Portugal esteve agora em Dezembro na Focus, em Londres, a promover o país como destino para filmar. Aliás, esse stand ficava muito perto do nosso. Esteve lá a secretária de Estado do Turismo a ajudar a promover o destino. Havia mais produtoras portuguesas com stands, penso que mais uma ou duas. Esta feira é mais voltada para o cinema e para os incentivos, tal como outra feira que existe próxima de Los Angeles. Aí encontram-se incentivos para filmar, em que uns países dão 20, 25 ou 20+10. Depois há uns eventos da publicidade, como o festival de Cannes, mas Cannes é uma coisa muito antiga e dispersa. Prefiro mais o Ciclope, que é um festival que há na Alemanha de encontro de produtoras e produtores. Normalmente fazem o festival em Berlim, mas também vão a diferentes continentes. Este ano, por exemplo, vão fazer o festival na África do Sul.
M&P: Tanto as autarquias como o governo quando falam de produção referem-se quase sempre à ficção, marginalizando a publicidade. Por que acontece isso?
JHB: A publicidade não é um parente pobre, mas quase. Nunca lhe foi dada a devida consideração, mas foi a publicidade que foi trazendo tudo isto. As pessoas que vêm cá filmar, de Los Angeles ou de Inglaterra, podem ser futuramente produtores de filmes de ficção. Nunca podemos descurar a publicidade porque um meio anda à volta do outro. A ficção pode trazer mais visibilidade se vier cá um actor conhecido, mas a publicidade também traz receitas, pessoas e visibilidade.
M&P: Que valores representa uma grande produção de um anúncio internacional em Portugal?
JHB: Depende muito. Uma grande produção são dias e dias de filmagens. Diria que os valores bons para o nosso mercado começam nos 400 mil euros e vão por aí fora, mas depende do que vier atrás. Posso filmar sete dias com uma equipa pequena e o custo não é tão grande mas posso filmar sete dias e ter 150 pessoas todos os dias e ter um custo disparado lá para cima. A publicidade não deve ser descurada. A publicidade é que forma toda esta gente para um dia fazer as longas. Já fui sondado para fazer longas e eles começam logo a pedir currículos de toda a agente. Se não há pessoas com experiência, não há longas. É a publicidade que vai formando, que vai dando experiência e tarimba às pessoas da produção. Não há mais ninguém.
M&P: Quais são os países que enviam mais produção para Portugal?
JHB: Depende de ano para ano. Há anos em que trabalho mais com a Alemanha, outros mais com Inglaterra ou com os Estados Unidos. São países com poder de compra. Há também exemplos da Europa do Norte, do Japão e Coreia do Sul. Quando Portugal ainda era pouco conhecido e os preços eram diferentes chegámos a ter filmagens da Polónia e da Rússia. Hoje em dia muito raramente vêm desses dois países cá filmar.
M&P: Que áreas laterais à produção estão a desenvolver-se por causa do service?
JHB: Por exemplo, há uns anos não havia pessoas especializadas a tratar dos carros para as filmagens. Era alguém do departamento de arte, que nós contratávamos, e que vinha com materiais de limpeza. Hoje há pessoas só para o car care. Da mesma forma que há maquilhagem para as pessoas, há maquilhagem para os carros. Antigamente estas pessoas não existiam. Há mais áreas que se vão desenvolvendo e especializando, à semelhança do que acontece em Inglaterra ou Espanha. O mesmo acontece com os efeitos especiais, com pessoas que criam empresas só para esse tipo de trabalho.