“Tenho pena de não ter mais dinheiro para fazer evoluir”
O papel da RTP2, a produção nacional, a política de compras e os constrangimentos da internacionalização dos conteúdos portugueses, segundo Teresa Paixão, directora do segundo canal A conversa decorreu dias […]
Rui Oliveira Marques
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O papel da RTP2, a produção nacional, a política de compras e os constrangimentos da internacionalização dos conteúdos portugueses, segundo Teresa Paixão, directora do segundo canal
A conversa decorreu dias antes do 50º aniversário da RTP2, que se assinalou a 25 de Dezembro. Teresa Paixão, que assumiu há três anos e meio a direcção do canal depois de um percurso ligado aos programas infantis da televisão pública, analisa o actual momento da estação, que fechou o ano com uma audiência média de 1,6 por cento. É possível crescer? A resposta segue dentro de momentos.
Meios & Publicidade (M&P): Ao fim de três anos e meio à frente da RTP2, é possível dizer que tem uma grelha à sua imagem?
Teresa Paixão (TP): É igual a mim (risos), no sentido da diversidade e da alegria. A RTP2 sempre foi um canal mais diversificado e interessado do que a maioria dos outros canais. Às vezes era um bocadinho dark, triste, parecia que a cultura era uma coisa triste.
M&P: Essa alegria está agora patente na identidade gráfica, nos programas ou nos magazines?
TP: Passa pela identidade gráfica e pelas pessoas escolhidas para fazer os programas. Não precisam de estar com um ar sério, pesado ou vestidas de escuro. E tem a ver com algumas coisas que se compram, que há 25 anos não seriam do canal 2, como por exemplo a biografia de um estilista como o Miyake, o documentário da festa do Xá para os 2500 anos da fundação do império persa ou programas como o da Judi Dench sobre árvores.
M&P: Não é um canal contraditório? A assinatura é “Culta e adulta” mas depois tem um grande peso de programação infantil.
TP: Quando fizemos a opção por essa assinatura, que foi criada pelo Pedro Birrada, sendo que eu dei as indicações, pôs-se a questão de haver programas infantis. Ser culto é bom. A ideia de uma estação culta e adulta queria dizer que nós não temos a intenção de infantilizar. Nos programas infantis estão proibidos de dizer inhos.
M&P: Como é que se desenvolve serviço público para a audiência infantil? Como é que nos momentos de compra se percebe que um programa encaixa no serviço público?
TP: Embora já não faça isso, é a Andrea Basílio, digo sempre que as pessoas não têm de imitar o que eu fiz durante 25 anos. A Lei de Televisão rege os programas para crianças: devem ser educativos, formativos e de entretenimento. Procuramos programas que vão nessa linha mas educativo não é só o abecedário. Formativo não é só dizer “não batas no menino se ele te bater”. Há muita coisa para aprender. Há as questões da internet, das notícias falsas, há o mundo que tem de ser perceptível. Nesse sentido, a Rua Sésamo foi a grande prova do que as crianças eram capazes de aprender.
M&P: Hoje não haveria orçamento para fazer uma Rua Sésamo.
TP: Não haveria orçamento certamente, mas não é tão necessário. Quando a Rua Sésamo foi feita menos de 50 por cento das crianças em Portugal iam para o pré-escolar. A Rua Sésamo foi criada também para os meninos que não iam ao infantário. Hoje há uma rede de pré-escolar.
M&P: Não sente falta de uma grande produção?
TP: Sentimos, porque uma grande produção é uma coisa que dá muito gozo aos profissionais. Essas grandes produções precisam de muito dinheiro. Os programas para crianças, por exemplo, não podem ter erros. Precisam de um rigor muito grande. Não há sempre dinheiro para tudo, mas a imaginação encontra outros sistemas. Quando se fez a Rua Sésamo não havia oito horas de programas infantis, havia duas. O dinheiro ia quase todo para a Rua Sésamo e comprava-se mais dois ou três bonecos animados. Hoje há muito mais horas e menos dinheiro.
M&P: No dia-a-dia sente muita limitação orçamental?
TP: Não, porque não gostaria que a RTP2 fosse um canal excessivamente nacional. O canal tem de ter coisas de outros países, isso é que faz dele um canal diverso e cosmopolita. O dinheiro que tenho chega para comprar muita coisa boa ao estrangeiro. Sinto que o canal tem ganho prestígio entre os distribuidores porque sabem que em Portugal é praticante o único sítio onde podem colocar os seus produtos. Até do ponto de vista do preço, estão interessados em ir ao encontro do nosso preço. Onde sinto limitação é que tem sido difícil pagar o suficiente para evoluir. É possível pagar para se fazer, é possível pagar para ficar mais ou menos ou para não envergonhar ninguém, mas não conseguimos fazer evoluir porque a evolução depende, em grande parte, do dinheiro.
M&P: Está a referir-se à produção nacional?
TP: Sim. Tenho pena de não ter mais dinheiro para fazer evoluir. Fazemos muita coisa, investimos dois a três milhões de euros por ano em produção nacional. É muito dinheiro e há muita coisa que se faz, mas sinto que é muito difícil fazer os produtores independentes evoluir porque eles não têm como. A RTP não tem o suficiente para lhes dar.
M&P: Os produtores independentes fazem-lhe chegar propostas de formatos aliciantes?
TP: Estamos numa fase pouco imaginativa. Está toda a gente a querer contar a história da família. Felizmente o Tolstoi não se lembrou de contar a história da família dele, se não não teríamos a Anna Karenina. Sinto que há vontade de as pessoas fazerem documentários sobre aquilo que elas próprias conhecem. É um período menos inventivo. Mesmo assim, encomendámos documentários sobre duas grandes barragens do Souto Moura, que é um assunto que as pessoas não conhecem.
M&P: Neste três anos e meio quais foram as apostas e compras que correram melhor?
TP: A aposta em séries europeias resultou, excedeu as expectativas. Nas coisas portuguesas, as nossas séries de ficção não resultaram em termos de audiências. Não foram nenhum estrondo, mas foram coisas giras, são primeiras obras. Outra coisa que resulta é que todos os anos encomendamos seis peças de teatro. É o Daniel Gorjão que organiza isso para serem feitas nos estúdios do Porto, com companhias muito jovens a começar a carreira.
M&P: Como é que a série Sara foi parar ao segundo canal?
TP: A série tinha sido feita para a RTP1 e acharam que não se podia esperar. Pediram-me para colocar em horário nobre da RTP2. Como tínhamos essa possibilidade, fizemo-lo, foi um acto de solidariedade com a RTP1. O realizador Marco Martins é conhecidíssimo e a Beatriz Batarda é uma actriz quase veterana. Foi uma primeira oportunidade para a RTP2 ter uma série nacional com um grande orçamento e com grandes actores. Fiquei admiradíssima por eles estarem ofendidos por passar na RTP2. Nem queria acreditar.
M&P: A Sara conseguiu chegar a outro público que não o habitual da RTP2?
TP: Na antena não, esteve no padrão habitual. Depois na net teve mais audiência, mas não tenho esses dados. Connosco correu bem, gostamos da série porque estava muito bem feita. A série poderia ter ficado bem na RTP1, mas o canal 2 é muito digno para ter a série. Não a menoriza.
M&P: O número médio de espectadores da RTP2 ronda as 35 mil pessoas e já disse que o ideal era que fossem 100 mil. Por que parece impossível chegar a esses 100 mil?
TP: Para haver 100 mil de média tem de haver picos de 250 mil. A audiência média dos canais dois ou dos canais culturais da Europa é de dois, dois e meio por cento. Nós temos 1,5 [o canal fechou 2018 com 1,6 por cento]. O Arte tem 2,2. Mas o número médio de espectadores nesses países, que têm muito mais gente, é entre 200 e 300 mil pessoas. São países com graus de desenvolvimento diferentes e com a escolaridade mais elevada. Claro que todos queríamos que as massas abraçassem o 2, mas as pessoas têm o direito de não nos ver. Para mim é estranho que em Portugal, com 10 milhões de pessoas, não haja 100 mil pessoas para ver o canal.
M&P: O que garante picos de audiência?
TP: A ficção.
M&P: O desporto não rende?
TP: Não. Temos, por exemplo, a transmissão de um jogo de basquetebol todas as semanas e nunca atingiu mais de 30 mil pessoas. A ficção é que tem dado os picos. A série das 10 que está agora no ar fez no outro dia 119 mil.
M&P: Porque não tem o canal mais audiência?
TP: O canal tem muita dificuldade em promover o que tem no ar, em passar a informação. Os jornais portugueses não ligam a um canal cultural. É muito raro os jornais portugueses interessarem-se por um projecto da RTP2. Tivemos um projecto que devia ter merecido imensa atenção, que era o Idiotas, uma primeira obra muito engraçada, disparatada e diferente do que se costuma fazer. Foi feita com muito pouco dinheiro, talvez 10 por cento do que custou a Sara. Tinha óptimos actores e era um fenómeno interessante, mas os jornais portugueses não se interessaram.
M&P: Ao contrário do que acontece quando estreia uma série do Netflix…
TP: Aí é um grande arraial. Até já li uma articulista a dizer que tinha visto no Netflix uma série que já tínhamos passado aqui. Temos programas bons e que fazem sucesso noutros países e aqui têm um sucesso relativo. O programa da Judi Dench na BBC, bem sei que é inglesa e uma actriz muito conhecida, fez quatro milhões de pessoas. Cá foi um dos mais bem sucedidos e viram 45 mil pessoas.
M&P: Em termos de programação para 2019, o que pode adiantar?
TP: Tenho uma grande série política francesa chamada Baron Noir. Vamos ter uma série da BBC aos domingos, chamada Collection e que é passada no mundo da alta costura. Vamos ter um documentário sobre os 50 anos dos Cinco Minutos de Jazz do José Duarte. Haverá coisas óptimas em artes performativas, que é uma disciplina bem sucedida. Não há um bailado em Portugal que consiga fazer 25 mil pessoas, nós já tivemos. A maioria das pessoas que vive em Portugal não tem acesso a uma sala onde se faça bailado. O Tiago Guedes, actual director artístico do Rivoli, contou que, na aldeia dele, a primeira vez que viu bailado foi na RTP. Tornou-se coreógrafo.
M&P: Nos dias de hoje estarão a passar-se histórias como essa?
TP: De certeza absoluta. O mesmo se passa no cinema. O meu colega António José Martins tem escolhido excelentes filmes para o Tudo Menos Hollywood, com filmografias de países de que nunca se pensou ver e que é difícil ou impossível de assistir em salas de cinema.
M&P: Durante uns anos pôs a BBC em pausa. O que aconteceu?
TP: A BBC tem poder e qualidade, e abusa disso. Não vende só o programa, vende a marca. A RTP tinha um acordo com eles para comprar por x dinheiro todos os anos. Cada vez que queríamos comprar alguma coisa, avaliavam de tal forma elevado que ficávamos arruinados. Decidimos bater o pé à BBC e não comprar mais. Estivemos praticamente três anos sem eles, com duas ou três coisas que estavam do acordo anterior. Vivemos sem eles e ninguém morreu. Depois, eles próprios, vieram ao nosso encontro e até com um senhor que falava português. Devem ter achado que havia a barreira da língua. A série que vamos pôr agora aos domingos, a Collection, faz parte desse primeiro pacote da BBC com preços mais normais. Por outro lado, a BBC tem tanto mais prestígio quando mais produtos conseguir colocar fora do Reino Unido, eles também precisam dos pequenos países.
M&P: Há algum formato criado pela RTP2 que tenha tido divulgação internacional ou que fosse vendido para outros mercados?
TP: Não. Estamos a tentar fazer uma parceria com a TV Cultura do Brasil, para um intercâmbio de programas. Ainda não conseguimos fazer nada que possa viajar. É muito difícil, porque o nível de qualidade está muito elevado. Há muitas coisas em que ainda estamos atrapalhados, como é o caso das questões de direitos de autor. Se formos gravar um grande espectáculo de fado, que é algo que com certeza vende, as pessoas que promovem o espectáculo só têm os direitos das músicas e letras para aquele espectáculo. Conseguem vender para a RTP mas não para o Arte ou para a TVE.
M&P: Até um simples concerto de fado tem esses constrangimentos?
TP: Tem a ver com dinheiro. A Mísia cantou Vasco Graça Moura. Nós comprámos o concerto, ficou tudo acertado para Portugal, mas se quisermos vender o concerto os herdeiros do Vasco Graça Moura e toda a gente tem direito a receber o dinheiro que eles muito bem entenderem.
M&P: É também uma questão burocrática?
TP: As coisas burocráticas, por muito chatas que sejam, resolvem-se. A questão é que quando vendemos programas vendemos por mil ou 1500 euros. É como quando compramos. A série [dinamarquesa] Borgen custou dois mil euros por episódio. A Sara custou 40 mil. As pessoas quando ouvem falar que vamos vender isto para França, Espanha ou Itália ficam convencidas de que a RTP vai resolver os seus problemas com aquela venda. Ficam endoidecidas e querem a Ceca e Meca. A venda de um programa é feita por pouco dinheiro, mas é suposto ser feita a muitos países. Se ficarem com 10 por cento, ganham 100 euros por país. Nós temos de garantir que temos os direitos antes de vender, mas pedem-nos os mundos e os fundos. No outro dia lemos um trecho de Vergílio Ferreira no programa de literatura e os herdeiros cobraram 300 euros.