O futuro da sustentabilidade dos media passou por Lisboa
A monetização dos conteúdos, o impacto das novas tecnologias nas redacções e a forma como essas tecnologias são utilizadas para conhecer o leitor foram temas transversais aos dois grandes encontros que, no espaço de uma semana, colocaram Lisboa no centro da discussão sobre o futuro dos media
Pedro Durães
Criatividade ao serviço de um alfabeto em extinção
RTP transmite jogos do UEFA Euro Feminino Sub-17 em direto
Crescer sozinha e em parceria não é uma contradição
Clube da Criatividade apresenta programa do 26º Festival CCP 2024 e da Semana Criativa de Lisboa
Sónia Araújo e Mário Daniel são mecânicos por um dia em campanha da Mercedes (com vídeo)
Perfect Storm produz nova campanha internacional da Coca-Cola (com vídeo)
Carlos Maciel assume direção da Caras e da Caras Decoração. Mariana Correia de Barros convidada a dirigir Activa
APECOM continua a crescer em número de associados
Microagências de comunicação estão a mudar paradigma
Oliveira da Serra explica importância de renovar, reciclar e reaproveitar com ajuda da McCann Lisboa (com vídeo)
A monetização dos conteúdos, o impacto das novas tecnologias nas redacções e a forma como essas tecnologias são utilizadas para conhecer o leitor foram temas transversais aos dois grandes encontros que, no espaço de uma semana, colocaram Lisboa no centro da discussão sobre o futuro dos media
Nenhuma marca de media no mercado português terá alguma vez mais de um milhão de subscritores digitais como o The New York Times. Nenhum grupo de media terá a capacidade do Le Monde Group para contratar, no espaço de dois anos, mais de cem jornalistas. Nem algum jornal contará com um Jeff Bezos na administração para atrair talento e suportar financeiramente 20 profissionais na área da engenharia digital. Tão pouco algum título da imprensa portuguesa sonhará em igualar a equipa de 30 profissionais do El País dedicados exclusivamente a trabalhar a área de vídeo. Tal como nenhum meio apostará tão fortemente no Snapchat ao ponto de, como a Vogue International, contar com seis jornalistas dedicados apenas a produzir conteúdos para esta rede social. São muitos os exemplos que poderíamos usar para ilustrar a distância que vai da realidade do sector dos media em Portugal àquela que é vivida pelos gigantes da indústria dos media a nível global. Contudo, com maior ou menor capacidade para os enfrentar, os desafios que se colocam às empresas de media são os mesmos. Não por acaso, alguns dos principais temas em discussão foram comuns aos dois encontros que na última semana trouxeram a Lisboa o debate em torno do futuro dos media: a Global Editors Network Summit, que teve lugar no Terreiro do Paço, e o World News Media Congress (WNMC), no Estoril.
Quando olhamos para tudo aquilo que esteve em cima da mesa nos dois encontros, a monetização dos conteúdos foi um dos tema dominantes. Foram vários os painéis a endereçar a questão das subscrições digitais, paywalls, fontes de receita alternativas, fidelização dos leitores. A partilha de experiências em torno do futuro do modelo de negócio da imprensa foi omnipresente, com o norte-americano Washington Post apontado como um case study e dissecado quer na GEN Summit, onde estiveram presentes Emilio Garcia-Ruiz, managing editor, e Greg Barber, director of newsroom product, quer no WNMC, com a intervenção de Miki Toliver King, vice-presidente de marketing.
Num sector onde a tesouraria estrangulada torna ainda mais difícil levar a cabo uma reinvenção do negócio, um jornal adquirido pelo homem mais rico do mundo pode ser um balão de oxigénio mas, nas palavras de Emilio Garcia-Ruiz, o factor Bezos teve o seu maior impacto na reformulação da estratégia digital por alguém que, mais do que ter uma grande fortuna, conseguiu essa fortuna precisamente por compreender as especificidades do ecossistema digital. “O Jeff mudou completamente a nossa estratégia de audiência porque percebeu que sermos locais nunca iria funcionar na era da internet e que seria fundamental ganharmos escala. Por isso, começámos por oferecer o nosso conteúdo e depois de o fazermos avançamos para as subscrições”, explica o managing editor do Post, antecipando a questão “como podemos fazer as suas coisas?”. “Temos de ter estratégias delineadas para as duas coisas”, responde, chamando a atenção dos publishers: “Não vai haver um momento em que somos obrigados a fazer uma escolha entre os dois modelos, temos de fazer os dois, por um lado conquistar escala e por outro crescer em subscrições. Só ganhando escala é que podemos crescer em subscrições, temos de ter o maior funil possível porque no final das contas poucas pessoas vão pagar.”
Isto porque, apesar de estar a subir, os números mostram que a disponibilidade para pagar por conteúdo informativo é baixa. “O número de leitores dispostos a pagar subiu de 9 por cento em 2016 para 16 por cento em 2017, mas acreditamos que os leitores estão a ser educados no sentido da necessidade de pagar pela informação de qualidade”, afirmou Miki Toliver King. De acordo com as análises que têm sido feitas pelo Washignton Post, o valor que os leitores estão disponíveis para pagar por uma subscrição de jornal está, em média, nos 10 euros. “O Santo Graal passa por perceber que histórias são suficientemente cativantes para que um leitor pague por uma subscrição”, referiu Emilio Garcia-Ruiz, alertando que “os jornais que cortaram nas redacções não estão a ter benefícios financeiros agora com o modelo de subscrição porque o seu produto não é bom o suficiente”. No entanto, os responsáveis sublinharam a ideia de que, ao contrário daquilo que muitas vezes os jornalistas gostam de pensar, produzir bons conteúdos é só uma das variáveis da equação. É preciso trabalhar, do ponto de vista do marketing, a forma como as marcas de media apresentam as subscrições aos seus leitores. O managing editor admitiu que, quando Jeff Bezos falou em adoptar a assinatura Democracy Dies in Darkness, achou que aquilo não servia para nada enquanto hoje reconhece o que essa frase fez pela forma como os leitores se identificam com o jornal e atribuem valor ao jornalismo produzido pelo Post.
Da mesma forma, Miki Toliver King salientou a importância da reformulação da forma como é apresentado ao leitor o “muro” da paywall no momento em que se esgotam os artigos de livre acesso, apontando um crescimento nas subscrições a partir do momento em que acabaram com as mensagens do tipo “já não tem mais artigos gratuitos, subscreva para continuar a ler”, adoptando vários copys em função do tipo de conteúdo que o leitor está a tentar ler no momento em que é despoletada a paywall. Por exemplo, ao ser accionada com um artigo de investigação do Post, o anúncio da paywall mostra o copy “Esta história tem de ser contada, suporte o jornalismo de investigação do Post”.
Conteúdos fechados podem conviver com mais receitas publicitárias
Um dos pontos-chave para esta estratégia focada quer nas subscrições quer no volume de audiência e receitas publicitárias, explicou a responsável, é que, ao contrário daquilo que tantas vezes se pensa, a paywall pode até ser positiva para as receitas originadas pela publicidade. “Os subscritores perfazem cerca de um terço das nossas pageviews, com 14 vezes mais páginas vistas do que os nossos leitores não-subscritores. Isto significa que, quanto mais aumentarmos os subscritores e o seu engagement, melhor conseguiremos suportar a parte do negócio baseada em receitas publicitárias”, afirma Miki Toliver King, sublinhando que se trata de “conhecer o nosso leitor, perceber quais são as nossas áreas de valor, incrementar em cima disso e melhorar o nosso produto em função da preferências e características do leitor”.
Essa é uma das chaves para o negócio dos media na opinião também de Tom Betts, chief data officer do The Financial Times Group, que tem implementado com igual sucesso a sua estratégia de paywall. “Não se trata só de publicidade ou só de subscrições, temos de tentar balancear os dois modelos, temos acima de tudo de perceber o que o consumidor quer”, explica, adiantando que no caso do Financial Times “a principal fonte de receita são os conteúdos e serviços e não a publicidade. Claro que isso nos dá mais segurança para desenvolver os nossos produtos e, em última análise, nos trará também mais publicidade”. “Acreditamos que a sustentabilidade do jornalismo de qualidade passa pelo digital e estamos focados no crescimento das subscrições digitais, não vejo nenhum cenário em que a publicidade por si só seja capaz de trazer sustentabilidade ao nosso negócio”, vaticina Tom Betts. Nas palavras do chief data officer do Financial Times, “a publicidade como fonte de receita traz mais volatilidade, enquanto a receita com base em subscrições dá mais previsibilidade ao negócio, traz mais sustentabilidade e, acima de tudo, permite-nos focar o nosso trabalho nas coisas que realmente importam para os nossos leitores”.
Apesar de o foco pender cada vez mais para as receitas de subscrição, o consenso aponta para a manutenção de um modelo que reúna as duas fontes de receita. “Não acho que devamos descartar a publicidade, é mais complicado quando temos os conteúdos fechados mas há bons directores de marketing dispostos a pagar pela presença em espaços premium”, assegurou, por seu lado, David Pemsel, CEO do Guardian Media Group, que em 2015 assumiu funções herdando um jornal com um EBITDA negativo de 78 milhões de euros e tem agora o break-even no horizonte já para o próximo ano, com um significativo impulso dado pelas contribuições pedidas aos leitores além das subscrições. “Usamos vários locais do site para explicar a situação do negócio dos media, a importância do jornalismo independente e o problema que enfrentamos para o financiar, e nesse ambiente de transparência pedimos aos nossos leitores mais envolvidos para contribuir, temos actualmente 800 mil ‘suporters’ (contribuições+subscrições)”, refere o responsável.
“Há uma nova geração de leitores com padrões de consumo diferentes e, embora esteja a aumentar a disponibilidade para pagar, será sempre com uma margem muito mais baixa do que antes. Por isso, temos de reinventar o modelo publicitário, sempre fomos bons em vender a anunciantes e vender a leitores, esse mix das duas receitas continua a ser fundamental”, indicou também Gert Ysebaert, CEO do grupo belga Mediahuis, que se expandiu para o mercado holandês com as aquisições da NRC Media, do DeLimburger e do De Telegraaf e hoje vende cerca de 1,4 milhões de jornais por dia. No digital, alerta o responsável, “a máxima one size fits all já não funciona, temos de evoluir de um bundle estático para um mais aberto, um serviço digital que responda às necessidades de cada audiência”. “Temos de ser mais criativos ao nível do pricing”, afirma. Exemplo disso são os vários pacotes de subscrição que a Mediahuis disponibiliza para os seus títulos além das tradicionais all-digital ou all-print, como uma subscrição que incluiu a edição digital nos dias de semana e a edição impressa no fim-de-semana. A resposta às necessidades diferenciadas de cada audiência passa inevitavelmente pelo conhecimento profundo do leitor e, nesse sentido, Gert Ysebaert traça como objectivo “transformar os leitores anónimos em leitores conhecidos, queremos até 2020 ter todos os nossos leitores identificados”, diz, voltando ainda a reforçar a ideia de que “temos de construir também um ambiente plus para aqueles que são nossos subscritores, ter cada vez mais artigos atrás da paywall, estamos a fazê-lo e isso não está a prejudicar o nosso reach, pelo contrário, há cada vez mais leitores a querer consumir estes conteúdos”.
Posição partilhada por Louis Dreyfus, presidente do Groupe Le Monde, que não tem dúvidas em afirmar que “a chave é o conteúdo exclusivo de qualidade” e conta que o grupo daquele que é o principal jornal francês reforçou nos últimos dois anos a equipa de jornalistas, que passou de cerca de 300 profissionais para mais de 400, com o objectivo de melhorar os conteúdos. “Quanto maior for a qualidade dos nossos conteúdos mais subscritores conseguiremos e melhores conteúdos trazem também mais publicidade e mais receitas”, sublinha o responsável. E, numa altura em que se fala muito na importância da tecnologia e de ter na redacção profissionais da área da engenharia, programação e desenvolvimento web, Dreyfus considera ser fundamental “ter mais de 50 por cento do staff dedicado a produzir conteúdo”. Isto apesar de reconhecer que “temos cada vez mais de apostar em equipas de data, que tem sido uma lacuna nos meios de comunicação numa altura em que é imprescindível conhecer os leitores, e ter uma pequena equipa dedicada a experimentação”.
A métrica que realmente importa: lealdade
Tom Betts, chief data officer do The Financial Times Group, acredita que “a data é a única forma de ver o quadro geral” já que “uma das coisas que se perde na eficácia do que fazemos é que olhamos para uma série de métricas e esquecemos o contexto dos leitores. Não desenvolvemos métricas que nos permitem perceber o nível de lealdade dos nossos leitores, o engagement, perceber até que ponto estão a regressar frequentemente e se do lado deles estão a receber realmente value for money com o produto que estamos a oferecer”. No que diz respeito a métricas, o consenso que fica destes encontros é que visitas e pageviews, tão valorizadas pelos anunciantes, são algo do passado quando se trata de desenvolver uma estratégia focada no leitor e nas subscrições, onde o conceito de “lealdade” surge referido por uma larga maioria dos publishers. “Este modelo focado no engagement, no leitor, é bom para a área comercial e é óptimo para as redacções, que vêem os leitores mais envolvidos com o jornalismo que produzem”, explica Tom Betts, frisando que “uma coisa influencia a outra e, se nos focarmos na lealdade, acabamos por ter sucesso comercial no final das contas”.
Isso passa, como referia Miki Toliver King, por focar a estratégia de desenvolvimento de conteúdos e produto naquilo que é o feedback dos leitores subscritores em primeiro lugar já que são eles os responsáveis pela grande maioria do tráfego. A mesma prioridade foi apontada também por Sarah Marshall, head of audience growth da Condé Nast International, para quem a métrica que realmente importa são os dados recolhidos a partir dos hábitos de consumo daqueles leitores a quem chama “loyals”, o que no caso da Vogue, por exemplo, são aqueles que consultam o site pelo menos quatro vezes por dia e que, feitas as contas, são responsáveis por metade do tráfego total do site e comentários quer no site quer nas redes sociais onde a publicação está presente. Também Martin Jönsson, head of editorial development do Dagens Nyheter, salienta a importância de os meios estarem atentos à forma como os conteúdos são consumidos. “Chegamos à conclusão de que 70 por cento do nosso tráfego vinha de uma pequena parte do nosso conteúdo e que 50 por cento do conteúdo que produzíamos quase não era lido, então o que fizemos foi reduzir drasticamente a quantidade de conteúdo que produzíamos”, exemplifica o responsável, assegurando que com essa estratégia “aumentou exponencialmente o tráfego por cada história produzida”. Desenvolver o produto com base nesse tipo de análise tem de ser levado a sério, diz, contando que actualmente cada um dos jornalistas do Dagens Nyheter recebe um relatório mensal com os artigos publicados, resultados de cada artigo, interacções, comentários, etc., tendo ainda como objectivo ter um panorama geral dos temas que trabalhou nesse mês para saber se está a ser respeitada a identidade do título e se o tipo de artigos publicados está a cobrir os interesses da audiência.
Missão: Retenção
Para além do desenvolvimento dos conteúdos com foco nos leitores pagantes, há outra questão fundamental para a sustentabilidade do modelo de subscrições. “Não podemos apenas focar-nos em levar os utilizadores a fazer a subscrição, temos de nos focar na retenção e em tornar esses subscritores sustentáveis”, alertou Tobias Henning, general manager do alemão Bild, sublinhando que o difícil não é levar as pessoas a subscrever, é conseguir reter esses subscritores, temos de tornar a experiência diferente para quem paga”. “Temos virado realmente a nossa atenção para as formas como podemos reter as nossas subscrições”, refere, nesse sentido, Miki Toliver King, adiantando que, no caso do Washignton Post, a taxa de retenção mensal aumentou seis por cento nos últimos seis meses e 12 por cento em comparação com o último ano. Um dos factores a ter em conta é a retenção quando o crescimento no volume de subscrições é alcançado através de descontos de entrada, com valores muito baixos nos primeiros meses. Nesse aspecto, admitindo que os descontos de entrada “têm sido importantíssimos”, a responsável garante que no Post tem sido possível fazer essa transição. “Há três anos 53 por cento das subscrições estavam com um ‘disconted rate’, hoje essa percentagem está nos 28 por cento porque depois de terem experimentado conhecem a qualidade do nosso jornalismo e deixam-nos a oportunidade de os recordar de renovar a assinatura, mostrar algum conteúdo quando não renovam para os incentivarmos a renovar”, refere. “Estamos constantemente focados em melhorar a experiência do utilizador e em conseguir que eles passem mais tempo no nosso site. Vamos começar agora um modelo de análise para nos ajudar a perceber o que despoleta a propensão para não renovar as subscrições”, antecipa Miki Toliver King, explicando que “a estratégia passa por continuar a tapar os buracos na paywall, assegurar que todos os caminhos vão dar ao pagamento e manter uma cultura de teste e experimentação constantes, culminando num foco nos nossos subscritores e em melhorar a sua experiência para que possamos perder o menos possível daqueles que se juntaram a nós”. “Temos de colocar os leitores num caminho para a paywall em vez de possibilitar a navegação pelo conteúdo sem ter de passar por lá”, afirma a responsável do Post, jornal que actualmente permite apenas a leitura de três artigos gratuitamente por mês antes de apresentar a paywall, quando no arranque da estratégia de subscrições permitia a leitura de 20 artigos mensais. “Fizemos estudos e uma análise de comportamento para encontrar o número com menos impacto nas receitas de publicidade e que, ao mesmo tempo, nos permita potenciar os subscritores”, esclareceu Miki Toliver King. As conclusões confirmaram a estratégia já referida. O número mais restrito não só não prejudicou as receitas publicitárias como está a manter a rota de crescimento no volume de subscritores, aumentando a sustentabilidade com base num modelo misto em que o tráfego premium parece não deixar indiferentes os anunciantes.