Qual o Estado da Nação Digital?

Por a 27 de Março de 2017
Carla Borges Ferreira (M&P), José Manuel Gomes e Bernardo Rodo (IAB), Alberto Rui Pereira (Mediabrands), Ana Azevedo (Publicis Media), Fernanda Marantes (Havas Media), Manuel Falcão (Nova Expressão) e Nuno Amaral Frazão (Dentsu Aegis)

Carla Borges Ferreira (M&P), José Manuel Gomes e Bernardo Rodo (IAB), Alberto Rui Pereira (Mediabrands), Ana Azevedo (Publicis Media), Fernanda Marantes (Havas Media), Manuel Falcão (Nova Expressão) e Nuno Amaral Frazão (Dentsu Aegis)

O IAB Portugal e o M&P estabeleceram uma parceria que tem como objectivo discutir e produzir conhecimento sobre o digital em Portugal. Aqui ficam as principais ideias ouvidas no primeiro encontro que juntou os decisores das agências de meios em Portugal

O mais recente relatório do IAB apresentou os números do mercado dos Estados Unidos. Mesmo não havendo comparação com a realidade portuguesa, os dados não deixam de ser impressionantes. Pela primeira vez, no ano passado, o investimento em digital ultrapassou o da televisão, ficando com 37 por cento de share, contra os 34 por cento da televisão. Apesar de se falar há muito desta inversão de importância de meios, foi a primeira vez que tal aconteceu. Mais importante que isso, o mobile representa metade do investimento digital e está a crescer 45 por cento. Olhando apenas para o crescimento do investimento publicitário, o Facebook capturou 34 por cento desse incremento e o Google 13 por cento. Em Portugal não é este o cenário, já que o digital representa uma fatia de 20 por cento apesar de estar a crescer a dois dígitos há anos.
Existe uma transformação digital que está a decorrer na indústria, e não só no marketing e comunicação, que começa no produto e acaba no ponto de venda. O tema do digital entrou noutro campeonato, nomeadamente o da tecnologia e o da consultoria. As agências de meios estão bem posicionadas mas há outros players que, por via da tecnologia e da consultoria, estão a entrar no território core da comunicação. Perante este cenário, como é que os grupos se estão a posicionar?
Este foi o ponto de partida para o primeiro Think Tank IAB/M&P, que reuniu Alberto Rui Pereira (Mediabrands), Ana Azevedo (Publicis One), Fernanda Marantes (Havas Media), Manuel Falcão (Nova Expressão) e Nuno Amaral Frazão (Dentsu Aegis), para discutir o Estado da Nação Digital.

O desafio das consultoras
A realidade das agências de meios não tem nada a ver com o que era há uma década. A maior parte dos líderes das agências são da velha economia, da geração analógica, mas fizeram a evolução profissional e tecnológica. As próprias agências têm perfis que não existiam no passado e procuram MacGyvers que saibam de várias disciplinas. As questões da tecnologia exigem um perfil diferente das pessoas contratadas. Já não são apenas as formadas em Comunicação e Marketing, abrangendo agora quadros das áreas da Economia, Matemática e Informática. As agências estão a fazer um bom trabalho, a investir em tecnologias e em ferramentas. A consultoria não fez esse progresso. Ao contrário das consultoras, as agências de meios investiram muito em research, na análise do consumidor, na procura de soluções e de touch points que se adequem aos objectivos das marcas.
As agências estão agora a beneficiar desse investimento e a conseguir ser mais consultores para os anunciantes do que eram antes. Se as agências, que têm hoje um modelo não é nada do que era no passado, souberem agarrar na parte do data, tratar a informação e desenvolver produtos de analytics em cima disso, passam a ter um papel também de consultoria. No futuro, o data não será apenas o das agências. Será possível agregar outras fontes, incluindo as do próprio cliente. As agências ficam numa posição privilegiada para serem consultores de excelência.
Mesmo assim, os clientes, actualmente, não partilham certa informação com as agências, apesar de abrirem o espectro de informação ao consultor. No entanto, os consultores pronunciam-se e vão-se embora. Se o negócio não funciona, os clientes caem em cima das agências e não dos consultores.

Quando tudo for digital
Estamos num momento em que haverá uma nova transformação porque as várias peças da cadeia estão a ligar-se. O digital era encarado como um novo meio, depois começou a haver jornais digitais, rádios em streaming e emissões de televisão em streaming. Hoje tudo convive no digital, que evolui para se tornar num canal de distribuição e não num meio.
O digital vai fazer parte de uma cadeia de negócio global. É por isso que alguns consultores querem posicionar-se neste território. As agências têm experiência e conhecimento para se colocarem na dianteira. O planeamento 360 graus vai mudar no dia em que o digital for assumidamente um canal de distribuição e tudo se passar no digital. Chegará o dia em que todos os meios serão planeados e comprados via digital. As agências estão um passo à frente no digital de outros players pelo histórico, conhecimento, envolvimento e recursos. Se pararem, rapidamente são engolidas. A questão da data será crítica.
O papel da agência será o de consultoria porque a parte da compra de espaço vai ser, cada vez mais, uma commodity. O valor vai estar a montante e a jusante dessa compra.

grupo IABRelação com os clientes
Os clientes nunca perceberam que as agências de meios não são uma oficina de planeamento ou meros intermediários. Essa parte pode até ser feita online e mais rapidamente, através da compra programática. Mesmo assim, um estudo do Grupo Consultores, baseado em 150 entrevistas, incluindo o top 100 de anunciantes, refere que a maioria dos anunciantes, se só pudesse escolher uma única agência para trabalhar, seleccionava a agência de meios.
Cada anunciante é um caso, há uns que estão na Liga dos Campeões e outros na Liga dos Últimos. Há anunciantes muito sofisticados e outros muito atrás do que as agências fazem – e outros que não sabem o que querem. Nos briefings falta objectividade ou apresentam os KPI errados. Assim como houve cortes do lado das agências, do lado dos departamentos de marketing dos clientes houve desinvestimento. Há poucas pessoas séniores. Sentem-se grandes debilidades. Falta maturidade em alguns anunciantes. Não há um orientação baseada em factos e conhecimento. Vai-se para o caminho de onde soprar o vento. Por exemplo, há marcas que passaram de três posts no Facebook por dia para um por mês.
Além da compressão do lado dos CFO, existe uma compressão do lado comercial, sobretudo nos produtos de grande consumo. As margens diminuíram para todos e as marcas estão preocupados com a facturação do mês ou do trimestre. A pressão da distribuição é brutal. O consumidor habituou-se à palavra discount mas que já não pode ser um desconto de 10 por cento – essa lógica contaminou o CFO. Se antigamente era uma vergonha dizer ou pedir uma promoção, hoje é um orgulho comprar com 50 por cento de desconto.
A pressão que os anunciantes colocam a uma agência de meios não é justa em alguns canais ou meios. Se querem uma campanha de televisão sabem que os resultados vão ser notoriedade e algum pico de vendas, mas quando fazem uma campanha digital querem tudo – cliques, tempo de visionamento, vendas… O digital parece ser a solução para todos os KPI, quando não é assim para outros meios.

Falta de confiança nos números do digital
A distinção que fazemos entre o digital e o offline já está a ficar obsoleta. Há rádio e televisão cujo consumo é digital. Não se pode olhar para a media como se olhava para o passado. O GPR (gross rating point) é uma métrica datada e o CTR (click-through rate) um disparate. As agências têm de começar a falar com os clientes sobre tempo médio e bouce rates.
Um dos problemas do mercado é que uma parte considerável do investimento digital é auto-avaliado. É o Facebook e o Google que se auto-avaliam e impõem as suas métricas, incluindo junto dos grandes clientes. Não se pode deixar que a auto-avaliação ganhe mais espaço. A criação de métodos de avaliação independentes é fundamental para a afirmação das agências de meios. Há uma falta de confiança dos anunciantes nos números que existem. Só as agências de meios podem vender o capital da confiança. As agências já têm o capital do conhecimento, mas precisam de vencer, frente aos consultores, o capital da confiança.
Há quem defenda que se o mercado batalhou para que houvesse apenas uma medição de TV, e não duas ou três, é natural que haja um combate por um critério uniforme de métricas no digital. Outros consideram que o digital não pode ter métricas comuns porque nem todos os meios têm a mesma essência.
Por ser a plataforma que oferece mais informação, as dúvidas não se colocam pela plataforma em si, mas porque cada player tem a sua métrica e alguns deles fazem disto uma black box. A criação do IAB Portugal tem como um dos objecticos a medição do investimento digital em Portugal. O número que temos é o total que vem na compilação da BDO. Ninguém tem a certeza efectiva dos números, sobre o mercado ou segmentos específicos. Não existe a visão global. O IAB e a CAEM devem trabalhar em conjunto, já que ao ser Portugal um mercado mais pequeno e flexível, podem ser dados passos mais rápidos nesse sentido.

Saúde financeira dos publishers nacionais
Quando os líderes das agências chegam lá fora e dizem que trabalham num mercado de 500 milhões de euros, perguntam-lhes se falta um zero ou se esse é o valor por mês. O mercado é muito pequeno, com poucos publishers português fortes, isto numa indústria que não vive sem os publishers e os conteúdos.
Tal como as agências e marcas, os grupo de media estão a fazer o esforço da transformação digital. Mas a crise reduziu para metade o investimento publicitário, impactando a saúde financeira dos grupos de media. Basta olhar para os relatórios e contas dos grupos para perceber que a sua saúde financeira não deixa o mercado tranquilo.
O investimento digital está a crescer. Hoje vale 20 por cento, dentro de uns tempos 30 por cento e, se calhar, nessa altura a televisão valerá também 30 por cento. Pensar que dessa fatia do digital dois terços não estão nos publishers portugueses, mas sim em plataformas como o Google e o Facebook, significa que os grupos têm de fazer a quadratura do círculo: fazer a transformação digital das suas organizações e viver com um terço do investimento.

iab 2O projecto Nónio e excesso de oferta
Os seis principais publishers privados nacionais (Media Capital, Cofina, Renascença, Impresa, Público e Global Media) conseguiram chegar a um entendimento em relação ao projecto Nónio, sentar-se na mesma mesa, porque perceberam que têm de criar mais valor para o mercado português. Eles defendem que o que os identifica é o conteúdo sério, de qualidade, com relevância e contexto português. Para as marcas portugueses isto tem de fazer a diferença – haverá menos desperdício de contactos. Se a métrica do lado do anunciante for o custo por contacto ou o preço, aí o publisher global tem muito mais força.
No entanto, o projecto Nónio é uma plataforma de disponibilização de inventário. Não tem a ver com a forma como os grupos estão organizados, que tecnologia precisam ou como vão produzir conteúdos. Os grupos de media têm um negócio tradicional que está a ser esmagado nas margens, volumes e vendas, ao mesmo tempo que se assiste à transformação na venda de audiências e à necessidade de transformar a organização – para a qual é necessário investimento e saúde financeira. Depois, existe uma oferta excessiva no mercado. A oferta é a mesma que existia há dez anos com metade do investimento. Há qualquer coisa que não casa nesta equação.

Responder ao lado sexy do Facebook e do Google
Da mesma forma que os publishers internacionais conseguem chegar às marcas e vender a sua eficácia e o reason why para investirem neles, cabe aos publishers portugueses trabalhar no mesmo sentido. Têm de ter a mesma capacidade de vender e mostrar o seu valor e o que pode acrescentar na cadeia de valor da marca. Se não, esses publishers internacionais valem hoje 70 por cento e amanhã valerão 80.
Os publishers convenceram as marcas de que era bom usá-los por uma questão de preço, desvalorizaram-se e perderam lógica e valor em relação aos seus conteúdos, não por inconsistência dos conteúdos, mas por uma questão de posicionamento. Por maior que seja a influência e a utilização do Facebook e de outras plataformas, nenhuma sociedade consegue abdicar das marcas de informações locais. Tal como no sector da grande distribuição, estamos a falar de uma guerra entre a distribuição e da produção de conteúdos.
As plataformas internacionais são sexy. Sempre que o Google e Facebook organizam algum evento é um sucesso. Os CEO, que dificilmente vão aos eventos dos publishers e das agências, vão a esses eventos. Se Google ou Facebook convocam anunciantes de automóveis estão lá os presidentes do conselho de administrativo, as empresas todas do sector automóvel e passam a mensagem a quem efectivamente decide. O Google vai às marcas e dá cursos de formação e disponibiliza recursos para as universidades. Até os fornecedores têm de ser credenciados pelo Google. O IAB deve ganhar esse espaço e desempenhar um papel didáctico para credibilizar a área digital e as métricas, organizando eventos, tal como já o fez no passado, com sucesso. O IAB, como entidade independente dos publishers, agências e plataformas, pode auto-regular do sector.
A influência do Google e do Facebook vê-se, por exemplo, na valorização do formato vídeo. São eles quem traça a agenda da publicidade digital. O modelo de negócio do vídeo é mais interessante para os publishers internacionais, do que os outros que já esgotaram a sua taxa de crescimento.

iab 3Aproximação à criatividade
Nos grandes grupos está a existir uma aproximação da media à parte criativa. A comunicação é alimentada pelo conteúdo e a componente criativa é crítica para a eficácia da comunicação. As agências de meios e as criativas não têm de estar todas debaixo do mesmo tecto ou dar origem a uma super-agência. Não precisam de integrar o mesmo grupo, podem ser várias entidades que trabalham em conjunto, mas tem de haver alguém com a capacidade de integrar e falar a uma só voz com o cliente. As marcas vão ter maior necessidade de integrar e medir tudo. As zonas tornaram-se cinzentas. Não há fronteiras estanques sobre o que é um agências criativa e uma agências de meios. As próprias agências de meios são criativas e criam conteúdos. Esta guerra coloca-se porque os budgets tendem a restringir. Se houvesse budget havia vários players no mercado.
As várias áreas têm de trabalhar em conjunto. As agências criativas, pela crise, perderam a noção da importância da informação sobre o consumidor, algumas descuraram o planeamento estratégico, estão agora a reconstruir o planeamento e apercebem-se que as agências de meios estão à frente em relação à informação sobre o consumidor e das métricas.
As agências de meios identificam as consultoras e os publishers internacionais como potenciais ameaças. Pelo passado recente de lapidar de investimento publicitário, não estão folgadas para fazer investimentos. É um negócio que tem tanto de fragilidade como de oportunidade. Obriga a pensar que o negócio, que era remunerado de determinada forma, que vendia determinado tipo de serviços, se calhar tem de ser diferente. As agências têm de ganhar mais competências em mais áreas. Têm de perceber melhor o digital e o data e ser mais criativas e estrategas.

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