João Gomes de Almeida, director criativo da Nylon
Estou lixado por este ano não ir a Cannes!
“Do que tenho visto vou arriscar afirmar que este ano estamos mais fortes do ponto de vista criativo e que desta forma temos probabilidades de ganhar mais leões do que o ano passado”, escreve João Gomes de Almeida
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Não há outra maneira de dizer isto: estou lixado por este ano não ir a Cannes! Fui há três anos, há dois não fui e o ano passado voltei a ir. É verdade que não me posso considerar um habitué, mas é verdade também que há poucos sítios no mundo onde me sinta mais feliz do que em Cannes em época de festival.
A propósito deste tema lembrei-me que quem gosta mesmo de publicidade devia ler as “Confesiones personales de un publicitario”, as quase-memórias de Luis Bassat. A determinada altura o criativo catalão conta que um jovem foi ter consigo a dizer que ambicionava ser publicitário e a questioná-lo sobre que curso é que deveria tirar para esse efeito. Luis Bassat respondeu que ele deveria juntar o dinheiro que iria gastar no curso e ir até ao festival de Cannes. Não podia estar mais de acordo.
Cannes não são só os leões, as conferências, as festas, os copos, as praias, os egos a desfilarem na Croisette e as conspirações no bar do Martinez. Cannes é o pulsar da nossa indústria, é o que a une e é o que dita as tendências. Menosprezar a importância de Cannes é enterrar a cabeça na areia, é viver ao contrário do resto do mundo, é desistir de aprender e é sobretudo assinarmos a nossa sentença de morte profissional.
Estou sinceramente farto de ouvir as pessoas a menosprezarem a importância de Cannes. Há quem diga que é muito caro ir ao festival (certíssimo, mas há férias bem mais caras e muito menos úteis); há quem diga que os clientes não valorizam os leões (num país que praticamente não os ganha realmente é difícil alguém os valorizar); há quem diga que só ganham leões trabalhos feitos para ganhar leões (chama-se critério criativo, aquele que contra mim falo deveríamos usar sempre); e há até quem diga que se dão demasiados leões (que são invariavelmente as pessoas que nunca me sabem dizer um trabalho vencedor que não merecia ser leão).
Já aqui escrevi anteriormente sobre Portugal nos rankings mundiais da criatividade. Mas agora há dados novos. Segundo o Gunn Report Creative Ranking (baseado nos prémios de criatividade conquistados por cada país) Portugal ocupava em 2009 a 28º posição mundial, em 2010 a 37º, em 2011 a 32º, em 2012 novamente a 37º, em 2013 a 41º e em 2014… bem em 2014 desaparecemos do Top 50.
Obviamente que somos um país pequeno e que isso serve de justificação. Ainda bem que não serve de justificação também para Taiwan (39º lugar), Malásia (38º lugar), República Checa (32º lugar) ou a Bélgica (29º lugar), por exemplo.
Mas nem tudo é mau e é verdade que o mercado está a mudar. Se no ano passado havia 202 projectos nacionais inscritos em Cannes, este ano serão 241 – o que é menos do que os 293 de 2013, mas denota obviamente uma melhoria.
Mas a grande melhoria não está nos números. Não gosto de fazer prognósticos, até porque não conheço nem 10 por cento dos trabalhos nacionais inscritos em Cannes. Mas do que tenho visto vou arriscar afirmar que este ano estamos mais fortes do ponto de vista criativo e que desta forma temos probabilidades de ganhar mais leões do que o ano passado (um bronze em Design).
Se assim for, vou ficar muito contente, mas na mesma completamente lixado por não ter ido a Cannes.
Artigo de opinião de João Gomes de Almeida (Nylon)