ERC “inicia averiguações” sobre alegadas ameaças de Relvas a jornalista do Público
O ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares enviou documentação ao conselho regulador da ERC, através de correio electrónico, na sexta-feira, “por iniciativa própria”, e pediu também desculpa ao jornal.
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A Entidade Reguladora Reguladora para a Comunicação Social (ERC) vai “iniciar averiguações” sobre o caso das alegadas ameaças do ministro Miguel Relvas a uma jornalista do Público, no início desta semana, disse fonte do organismo à agência Lusa. Isto, após o ministro ter enviado “uma série de documentos” relacionados com pressões à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de correio electrónico, na sexta-feira, “por iniciativa própria”. Segundo o regulador, o envio desta documentação não configura a apresentação de uma queixa, tratando-se de “uma comunicação”.
Recorde-se que o Conselho de Redacção do Público denunciou na sexta-feira passada que o ministro dos Assuntos Parlamentares ameaçou com um “blackout” governamental sobre o jornal e a divulgação pública de dados pessoais de uma jornalista, por causa de uma notícia, que não foi publicada. A denúncia, divulgada em comunicado, surgiu depois de a jornalista visada, Maria José Oliveira, ter pedido ao Conselho de Redacção (CR) que “analisasse uma série de episódios ocorridos na quarta-feira”, em que o ministro se “queixou ao jornal de estar a ser perseguido, ameaçando a jornalista e o Público se fosse publicada uma determinada notícia”. A notícia, que pretendia evidenciar “as incongruências” das declarações de Miguel Relvas, na terça-feira, no Parlamento, sobre o caso das Secretas, não foi publicada, justificando a direcção do diário, numa nota, que “não havia matéria publicável”, tendo a decisão sito tomada antes de conhecer as ameaças do ministro. Segundo o comunicado do CR do Público, o ministro dos Assuntos Parlamentares, que tutela a comunicação social, “terá dito que, se o jornal publicasse a notícia, enviaria uma queixa” ao regulador, “promoveria um ‘blackout’ de todos os ministros em relação ao Público e divulgaria, na internet, dados da vida privada da jornalista”. As ameaças, que o CR considera “intoleráveis”, foram feitas, de acordo com a mesma nota, num primeiro contacto telefónico à editora de Política e reiteradas num segundo telefonema.
Entretanto o gabinete do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares repudiou a denúncia do Conselho de Redacção do Público. Em comunicado, o gabinete do titular da pasta da comunicação social considera “totalmente destituídas de fundamento, repudiando categoricamente” as notícias atribuídas ao Conselho de Redacção do jornal, “envolvendo supostas ameaças ou pressões efectuadas pelo ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares em relação a algum membro do corpo redactorial”. A nota acrescenta que “a decisão de publicar ou não uma determinada notícia compete exclusivamente aos membros da direcção editorial de um órgão de comunicação social”. Tal, conclui o gabinete de Miguel Relvas, “sem prejuízo de poderem ser accionados todos os meios legais para a defesa da honra e do bom nome” do ministro e “sem que em nenhum momento seja colocada em causa a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”.
Face ao sucedido, o PS anunciou que vai pedir a presença do ministro Miguel Relvas no Parlamento para prestar esclarecimentos sobre as alegadas ameaças. O anúncio foi feito, em declarações à agência Lusa, pela deputada Inês Medeiros, que considerou que “são acusações de extrema gravidade”, sobretudo quando envolvem “ameaças de divulgação de dados da vida privada”. Para o PS, “não podem subsistir dúvidas”, pelo que vai pedir a presença do ministro no Parlamento para “prestar os esclarecimentos necessários” e, se se justificar, a dos outros visados no caso.
Também o Sindicato dos Jornalistas exige o cabal esclarecimento do caso e vai pedir a intervenção do regulador do sector e da Comissão Parlamentar de Liberdades e Garantias. Em comunicado, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera que “devem ser cabalmente esclarecidas as acusações”, pelo que a direcção “vai pedir ao Conselho Regulador da ERC e à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República a averiguação urgente das imputações feitas”. Na nota, o SJ realça que, “a serem verdadeiras, as imputações feitas pelo Conselho de Redacção” do Público ao ministro, as mesmas “revestem de uma gravidade extrema”, atendendo a que Miguel Relvas é “titular de um cargo público, além do mais ministro, e especialmente por ser o membro do Governo responsável pela área da comunicação social”. A confirmarem-se as acusações, sustenta o sindicato, o ministro “deixaria de ter condições para manter-se no Governo”.
O Público noticiou ainda na sexta-feira que o ministro Miguel Relvas pediu, nesse dia, desculpa ao jornal. O pedido de desculpas, noticiado pelo jornal, ocorreu no mesmo dia em que o gabinete de Miguel Relvas refutou a denúncia do Conselho de Redacção do Público. Na edição online do jornal, a direcção editorial assumiu, ao final da noite de sexta-feira, que uma jornalista que tem acompanhado o caso das Secretas “foi alvo de uma pressão por parte do ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas”, “pressão” essa que “a direcção do Público considerou inaceitável e que motivou um protesto da direcção do jornal”. A direcção editorial adianta que o “protesto” foi apresentado na sexta-feira pela directora do diário, Bárbara Reis, e que o ministro “pediu em seguida desculpa ao jornal”. Contactada pela agência Lusa, Bárbara Reis remeteu para a informação publicada no Público.
Por outro lado, o BE exigiu também que o primeiro-ministro tome uma posição sobre o caso das alegadas pressões do ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares a uma jornalista do Público, considerando estranho o silêncio de Passos Coelho até ao momento. “Estranhamos muito que, até esta hora, o senhor primeiro-ministro não tenha dito ainda nada sobre este assunto; o senhor primeiro-ministro precisa de tomar uma posição rapidamente, precisa de dizer rapidamente o que pensa sobre a interferência do Governo na comunicação social, a liberdade de imprensa é um pilar da democracia”, afirmou a deputada do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins.
Ao mesmo tempo, a deputada Heloísa Apolónia defendeu a audição no Parlamento do ministro Miguel Relvas e da equipa do jornal Público, considerando que se configura uma situação “extraordinariamente grave”, se forem verdadeiras as ameaças à jornalista. “A confirmar-se a veracidade destas ocorrências e, fundamentalmente, destas ameaças por parte de um ministro a um órgão de comunicação social, é extraordinariamente grave, porque quando começamos a tocar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, estamos a ir por um caminho extraordinariamente perigoso”, disse a deputada. Razão por que, “agora, de facto, importa esclarecer cabalmente que se passou”, ou seja, “ouvir ambas as partes que estão envolvidas”, preconizou a deputada. “Quer o jornal, quer o ministro, devem ser ouvidos de modo a que se possam confrontar ambos e ambas as declarações para que se possa apurar aquilo que de facto aconteceu, porque isto não é uma coisa do foro privado, é uma questão do foro político e, a confirmar-se, com uma dimensão gravíssima”, frisou. Questionada pela Lusa sobre qual o local indicado para ouvir as partes envolvidas, a deputada ecologista mencionou a Assembleia da República, classificando-a “a sede própria para o efeito”. Nesta senda o PEV entregou já esta segunda-feira na comissão parlamentar de Ética, Cidadania e Comunicação um requerimento a pedir a presença do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, da direcção e do conselho de redacção do jornal Público.
Já o deputado do PSD Matos Correia diz que “os media não se deveriam colocar no papel da oposição ao Governo”, referindo-se ao caso que envolve alegadas pressões do ministro Miguel Relvas sobre jornalistas do Público. “São muitas as situações em que, em vez dos partidos políticos, são os meios de comunicação social e os jornalistas a fazer o papel de críticos do governo”, disse à Lusa o deputado Matos Correia. Para este deputado social democrata, “quando a oposição parece não saber fazer o trabalho de crítica ao governo, outros aparecem a fazê-lo”. “Não compreendo, por exemplo, como é que o Sindicato dos Jornalistas pode dizer que o ministro Miguel Relvas não tem condições para se manter no Governo”, acrescenta José Matos Correia, que recusa aceitar a hipótese de Miguel Relvas ter feito pressões sobre jornalistas do Público e, por isso, considera que não há motivos para lhe retirar confiança política. (Lusa)