‘Sou, de facto, a solução menos clássica que se podia esperar’
Bárbara Reis reconhece que foi a “solução menos clássica” para suceder a José Manuel Fernandes na direcção do Público mas, como defende, “ou se é ou não se é jornalista”. […]
Carla Borges Ferreira
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Bárbara Reis reconhece que foi a “solução menos clássica” para suceder a José Manuel Fernandes na direcção do Público mas, como defende, “ou se é ou não se é jornalista”. Manter o jornalismo de qualidade, reforçar a profundidade e a proximidade e acabar com a “percepção externa” de que o Público é um “instrumento político” são alguns dos objectivos.
Meios&Publicidade (M&P): No início de Outubro, quando foi anunciada como directora, disse ao M&P que o objectivo passava por “consolidar a matriz fundacional do Público: bom jornalismo, isento e de referência”. O que é que quis dizer?
Bárbara Reis (BR): O Público é um jornal de referência há 20 anos. Nasceu como resposta a uma certa letargia que existia na imprensa portuguesa. Nasceu com ousadia, com vontade de dar aos leitores informados e cultos informação informada e culta. Quando dizemos que queremos manter a matriz é isso.
M&P: Consolidar e manter não é a mesma coisa. A matriz estava ameaçada? Tinha-se perdido?
BR: Quem quiser pode tentar interpretar todas as nossas palavras, o editorial de dia 1 e tudo o que eu lhe disser como uma oposição como passado. Não é nada disso. Estou no Público há 20 anos, o Nuno Pacheco está na direcção há 20 anos, o Manuel Carvalho há mais de 10… Não estamos aqui doidos a achar que vamos reinventar o Público ou que agora é que vai ser um jornal de referência. Não, pelo contrário. Não há um novo Público, não há um renascimento. O que há é um novo começo e, nesse novo começo, obviamente que é importante afirmarmos quem somos. Houve um colunista que escreveu “aqueles arrogantes do Público, agora dizem que vão fazer jornalismo culto e responsável”. Quando o dizemos estamos a dizer quem somos e o que é o Público: um jornal culto e responsável, feito por pessoas cultas e responsáveis, para leitores cultos e responsáveis, há 20 anos. Será sempre assim. Quem quiser interpretar tudo como uma crítica com o passado poderá fazê-lo, mas está a cometer um erro. O que se trata é de dizermos aos leitores quem somos e ao que vimos. Uma das nossas mensagens é que não vão estranhar o Público.
M&P: Falou também num novo ciclo, com projectos a curto, médio e longo prazo. Quais são?
BR: Estamos ainda a pôr as mãos na massa. Uma das vantagens de sermos uma direcção que conhece bem o jornal é que a avaliação é relativamente fácil. Sabemos quais os problemas, as coisas que temos que resolver e melhorar.
Estamos a falar, em termos imediatos, de muitas coisas que têm a ver com rotinas internas, coisas que até já tinham sido criadas mas que foram caindo, no fundo por falta de uma gestão mais metódica de todos nós. Há também a questão dos editoriais não assinados e a criação do Cidades, que vai sair no dia 13. Esse caderno existe como resposta a um dos problemas que identificámos, que é a proximidade e o jornalismo de proximidade ter profundidade. Identificámos um triângulo de prioridades cuja concretização é o nosso grande objectivo: investigação, profundidade e proximidade. As prioridades a médio prazo têm a ver com… No fundo há um momento em que temos que avaliar alguns dos problemas do jornal.
Estamos a falar, por exemplo, do online, da economia e da cultura. Há muitas ideias que estão pendentes e precisam de uma decisão e de concretização. Depois, numa terceira fase, vamos criar novos caminhos que nos dêem não só prestígio como dinheiro e aqui estamos a falar de criar produtos que interessem a nichos muito reduzidos e identificados. Depois, a longo prazo, voltaremos ao online e vamos explorar formas inovadoras de o desenvolvermos. São coisas que não se fazem em 15 dias e nada disto é inventar a roda. São problemas que todos nós conhecemos, mas vamos é encontrar soluções.
M&P: Assume a direcção numa altura em que tanto as audiências como a circulação paga estão a descer. Como é que pensa inverter esta tendência?
BR: Eu adorava ter uma varinha mágica, mas não tenho…
M&P: Mas é possível ou a tendência mesmo é os jornais irem perdendo tanto vendas como audiência?
BR: A tendência é essa no mundo inteiro. E eu não tenho a varinha mágica como ninguém tem. Este Verão tive a oportunidade de passar quase um mês nos EUA e contactei imensos jornais e especialistas de think tanks que só estudam o futuro do jornalismo. Uns acham que o papel acabou, outros que não acabou totalmente. Constatei com alguma tristeza, e ao mesmo tempo com algum alívio, que as dúvidas que eles têm são iguais às nossas. Ninguém sabe qual é a solução, o modelo de negócio. Toda a gente sabe que a publicidade ainda está no papel, e a publicidade é central para a sobrevivência dos jornais, todos sabemos que há cada vez menos leitores no papel, mas também sabemos que há, e haverá sempre, mercado para bom jornalismo. Para o tal jornalismo profundo, pertinente e relevante. Portanto, todos os projectos que vamos desenvolver são nesse sentido.
M&P: Acabou por não responder à questão da circulação e audiências. Acredita que podem subir ou os números que o Público tem hoje são inevitáveis porque o mercado não dá para mais?
BR: Não sabemos. Não há aqui fórmulas mágicas. Podia dizer “queremos vender mais 5 mil à quarta e 10 mil à sexta”. Definia aqui um objectivo e dava-lhe um título.
Mas isso não me serve nem a mim, nem a si e sobretudo não serve o jornal. Sabemos que estamos num momento de crise, muitas vezes fazemos jornais dos quais nos orgulhamos particularmente e os leitores não pegam, como aconteceu nos 20 anos da queda do Muro de Berlim, em que fizemos um trabalho muito sólido e interessante na Pública e vendemos menos 2 por cento do que no domingo anterior.
Não é um exercício que me estimule muito este jogo do adivinha.
M&P: Há muito que se especula sobre a possibilidade do Público deixar de sair em papel alguns dias. Há algum fundamento?
BR: Não, isso não é verdade. É um boato para o qual nunca consegui encontrar explicação.
M&P: Nunca estudaram a hipótese de sair de quinta a domingo?
BR: Nunca foi sequer uma hipótese. O que se passou é que já há muito tempo houve a pergunta “o que é que pode acontecer a 10 ou 20 anos?”. Apareceram 10 ou 15 respostas e essa era uma delas. Não é mais do que isso.
M&P: Ao contrário do que acontece no papel, na internet o Público é o título generalista com mais páginas vistas.
Como é que esses números se rentabilizam?
BR: Tivemos 30 milhões de pageviews em Outubro. A publicidade online neste momento já é 10 por cento da publicidade total do Público. Sabemos portanto que está a crescer.
M&P: Mas daí até que se torne realmente relevante… E outras fontes de receita?
BR: Mas isso é “traga-me a bola de cristal e diga-me o que vai acontecer”. Confesso que não compreendo porque é que os anunciantes não olham para o número de pageviews e não pensam “bem, é aqui que tenho que pôr publicidade”.
Não apostar no nosso online é a incógnita da década, não consigo perceber. Espero que haja aqui algum trabalho de mudança de mentalidade e que aconteça com rapidez.
M&P: Para além da publicidade não estão a pensar em explorar outras receitas?
BR: Formas imediatas não há. Há soluções que estão a ser exploradas pelo mundo fora, nomeadamente o mecenato. O New York Times publicou no outro dia o primeiro artigo financiado por leitores. Há cada vez mais novas ideias para financiar o jornalismo de qualidade. Sabemos que há sites em França e nos EUA totalmente financiados por mecenas, como já há esse modelo do Spot.us, uma organização sem fins lucrativos de cidadãos onde os jornalistas fazem um pitch dos temas a investigar, dizem quais as despesas e as pessoas vão contribuindo com 20 euros, 5 euros…
M&P: Acha que é um modelo que faz sentido em Portugal?
BR: É um modelo que faz sentido nos países onde a cidadania e o espírito comunitário são muito dinâmicos e fazem a diferença em muitas áreas, nomeadamente na cultura. Quando chega à Metropolitan Opera, em Nova Iorque, em qualquer cadeira tem uma plaquinha onde diz “Henry Smith”. Sabemos que estamos naquela sala maravilhosa porque aquele senhor, e todos os que têm o nome na cadeira, deram qualquer coisa. O jornalismo vai ser como a Metropolitan Opera de Nova Iorque? Se calhar sim e se calhar não estamos assim tão longe disso.
M&P: E nessa altura será também tão elitista como ainda é hoje a ópera?
BR: Não, pelo contrário. No fundo isto até permite a proximidade, há aqui uma participação muito mais activa do cidadão. Permite que os temas considerados difíceis, que demoram mais tempo, e que com as redacções cada vez mais pequenas vão sendo abandonados, avancem. São temas que exigem método, tempo… Hoje em dia o tempo é um luxo, um luxo total. O cidadão não vai pagar 20 euros para ter uma notícia, como eu acabei de escrever para o online (a entrevista realizou-se no dia 26 de Novembro), a dizer que a Shakira vem a Portugal para a cimeira Ibero Americana. Mas vai querer pagar para ler uma investigação a fundo sobre um problema da sua cidade, do seu governo, do tribunal da sua vila. Isto permite manter vivo o jornalismo de qualidade, profundo e que exige tempo. E o tempo paga-se.
M&P: Estão a pensar mesmo avançar com esta ideia?
BR: Não, isto é só uma das hipóteses, vamos estudar todas. Mas o cidadão pode ter um papel interventivo na manutenção do jornalismo de qualidade. E quando digo cidadão tanto posso estar a falar do pequeno cidadão que dá 20 euros como do cidadão milionário, que então é um mecenas, e dá 2 milhões.
M&P: O que me leva a pensar no engenheiro Belmiro de Azevedo…
BR: E não está longe da realidade. No fundo, o que são o engenheiro Belmiro de Azevedo e a Sonae senão grandes mecenas do jornalismo em Portugal?
M&P: O Público é cronicamente deficitário. Acredita que pode ser viável ou está destinado a viver do tal mecenato?
BR: Seria utópico dizer que ao fim de 20 anos com problemas económicos vamos deixar de os ter. Mas estamos a fazer um grande esforço, e não é de agora, para encontrar novos caminhos e conter os custos. A redacção do Porto, por exemplo, vai mudar-se, para umas belíssimas instalações, e isso vai traduzir-se numa poupança de milhares de euros.
M&P: Ao contrário do seu antecessor não vai fazer parte da administração. Porquê?
BR: Por pedido meu. Pela primeira vez em 20 anos o director do Público não é administrador. Havendo uma relação óptima, de diálogo fácil e diário, não há necessidade de sobrecarregar o director, que tem que se concentrar em questões editoriais, com tarefas administrativas.
M&P: Tem também a particularidade de não vir da área política ou económica…
BR: Para grande choque de muitas pessoas.
M&P: Como é que devemos entender esse facto?
BR: Sou, de facto, a solução menos clássica que se podia esperar. Além de ser mulher, estou grávida do terceiro filho e nunca fiz política nem economia… Fui editora de cultura, do P2, correspondente em Nova Iorque. Mas uma pessoa é jornalista ou não é, é exigente ou não, tem os parâmetros elevados e como objectivo elevá-los ou não… Não ser igual aos 99 por cento dos directores de Portugal é um facto que resulta do meu percurso, que foi assim como podia ter sido de outra maneira. Ser homem ou mulher é irrelevante, temos muitas mulheres na chefia e isso é encarado com toda a naturalidade. A questão da política para algumas pessoas pode ser uma desvantagem, para outras é uma vantagem. Os directores têm um papel que vai muito para além do debate partidário ideológico e o jornalismo é muito mais do que isso, mesmo sendo o Público um jornal onde a política é um elemento muito forte.
M&P: José Manuel Fernandes surgia com muita frequência a fazer comentário na SIC Notícias. Como é que vão resolver essa questão?
BR: Uma das coisas em que esta direcção dá o salto é em não concentrar tudo numa pessoa. A ideia do director ser uma pessoa que faz tudo, que é polivalente e um dia fala sobre política, no dia a seguir sobre ópera e ao terceiro dia sobre futebol é um modelo, mas não é o único. As tarefas podem ser distribuídas por várias pessoas. Temos uma equipa de directores com valências diferentes, portanto não estamos nada preocupados. A nossa prioridade neste momento não é aparecer na televisão
M&P: Mas dá notoriedade ao jornal. Não acha importante que os leitores do Público conheçam bem a directora?
BR: Não acho fundamental, sinceramente. Em Portugal há um certo culto de personalidade em torno do director do Público. E hoje já estamos numa fase em que não é necessariamente assim. Pode não ser o director a fazer opinião, pode ser a Teresa de Sousa, que faz opinião há 20 anos, ou o Miguel Gaspar. Acho o culto de personalidade em volta do director uma coisa um bocadinho passé.
M&P: Os editoriais deixaram de ser assinados. Tem a ver com o jornal ficar demasiado vinculado à ideia de quem o assina?
BR: Sentimos, ao fim de 20 anos, que os argumentos usados para os editoriais serem assinados eram utópicos. Hoje sabemos que o editorial, apesar de ter lá o nome do director, vincula todo o jornal. Sentimos que era necessário retirar a autoria e criar um gabinete onde os temas são discutidos. Para nossa surpresa, está a correr melhor do que pensávamos. Ao meio dia é definido o tema, vemos quem é a pessoa certa para o escrever e depois há de facto uma discussão.
M&P: Sendo tão consensuais não se tornam menos incisivos?
BR: Pelo contrário. Há neste momento uma campanha contra o Público, que se aproxima de terrorismo industrial, por causa dos editoriais. Alguém está a inundar os nossos anunciantes com um texto a reclamar por causa de um editorial sobre o casamento gay.
M&P: Há seis diários generalistas pagos em Portugal. De acordo com Martim Avillez Figueiredo, 50 por cento dos leitores do I são em simultâneo leitores do Público…
BR: Adivinho quem são. São leitores que compram o I porque acham a capa muito bonita e depois ficam frustrados com a superficialidade dos artigos e têm que comprar o Público.
M&P: Há espaço para seis diários em Portugal?
BR: Sinceramente, não.
– “Muitos leitores olhavam para nós como se fossemos um instrumento político”
M&P: No dia 1 de Novembro, no primeiro editorial, citavam Vicente Jorge Silva, numa afirmação onde defendia que a imprensa de referência está afectada, para concluírem que se trata de “um balanço duro, mas uma conclusão lúcida”.
Afirmaram então pretender “repor essa credibilidade ameaçada, conscientes que estamos da percepção pública de um excesso de peso ideológico do jornal”. A acusação de estarem a levar a cabo uma campanha negra contra o governo e o caso das escutas afectaram a credibilidade do jornal?
BR: Penso que sim e isso preocupa-nos. E toda a imprensa acabou por ser afectada, porque não envolveu só o Público. Sabemos que muitos leitores olhavam para nós como se fossemos um instrumento político, e não somos.
Independentemente de analisarmos se era ou não verdade, sabemos que olhavam para o Público como um jornal onde se misturava opinião com informação. Isso não acontecia, mas havia essa percepção externa. Quando falamos em retirar o peso ideológico tem a ver com isso. Vamos fazer um esforço para que essa percepção externa desapareça.
M&P: Mas essa percepção externa estava errada, ou não? É que se estiver não estão a agir em conformidade com os desejos de quem a pretendia criar?
BR: Isso é olhar para trás. As pessoas imaginavam coisas que não existiam, manobras maquiavélicas e mãos invisíveis a manipular os jornalistas, o que nunca aconteceu. Mas não nos interessa olhar para trás.
M&P: A saída de José Manuel Fernandes era inevitável nesta altura?
BR: A saída foi decidida nos primeiros dias de Julho.
Achou-se, na altura, que devia ser depois das eleições para não haver leituras políticas. Infelizmente todas estas decisões e datas se sobrepuseram.