“A Marca Portugal é uma calamidade”
O livro Vende-se Portugal, lançado ontem na Fnac do Colombo, é mais um contributo para a discussão em torno da Marca Portugal. Tendo como ponto de partida alguns artigos publicados […]
Rui Oliveira Marques
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O livro Vende-se Portugal, lançado ontem na Fnac do Colombo, é mais um contributo para a discussão em torno da Marca Portugal. Tendo como ponto de partida alguns artigos publicados no Diário Económico, Henrique Agostinho, também director de marcas da Sonae Sierra, não hesita em apontar para os “imensos erros” que “têm sido recorrentemente fruto da submissão da gestão da marca a objectivos alternativos, sejam políticos ou burocráticos”.Meios & Publicidade (M&P): A discussão sobre a Marca Portugal não é uma obsessão dos marketeers portugueses? É que parece que este debate passa sempre ao lado dos sucessivos governos.
Henrique Agostinho (HA): Eu, pelo menos, sou uma clara vítima dessa obsessão e acho que há mais por aí. Deve ser o sentimento do treinador de bancada. Os marketeers que gostam do que fazem, olham para o país e imaginam-se a aplicar o quanto sabem numa escala muito mais excitante. Por outro lado, é verdade que sendo apenas treinadores de bancada, não têm de lidar com os problemas reais, como têm de o fazer os políticos. Portanto, os marketeers acabam facilmente a falar sozinhos ou entre si.
M&P: Mas ao proceder a uma análise que deu agora origem ao livro, deve esperar que, além dos marketeers, os decisores políticos prestem alguma atenção às questões que coloca. Vamos por partes. Quais são os problemas de Portugal, enquanto marca?
HA: Um treinador de bancada sonha sempre em sentar-se no banco, por mais irrealista que seja. O que é bem real é o péssimo estado da Marca Portugal. Neste ponto há uma quase unanimidade. Se os produtos portugueses se vendem mais baratos só por serem portugueses e se as boas marcas, que são propriedade de portugueses, se vêem forçadas a disfarçar a sua nacionalidade, como faz a Fly London, então a Marca Portugal é uma calamidade. Também parece haver consenso que os problemas da Marca Portugal são, no essencial, o resultado dos defeitos estruturais do País, como a pouca produtividade ou a falta de justiça. Onde as diferenças de opinião começam a aparecer é na possibilidade de atingir algum resultado, apenas através do marketing. Os marketeers, nem que seja por deformação profissional, acham que vale a pena corrigir a forma como se faz a promoção da marca, pois os resultados, mesmo pequenos, seriam benéficos para a economia do país. Já os políticos, simplificando, tendem a pensar que os defeitos estruturais são inelutáveis e, portanto, mais vale socorrerem-se da disponibilidade de meios do marketing para fins alternativos ou por vezes oportunistas. Finalmente, cada marketeer acaba por ter a sua visão sobre os problemas e oportunidades da Marca Portugal no âmbito restrito da sua promoção. A minha versão até se encontra detalhada em livro.
M&P: Que exemplos encontra de países que transformaram a forma como são percepcionados?
HA: Os grandes sucessos, como Nova Zelândia, Islândia, Coreia do Sul, etc, são antes de mais o produto de mudanças estruturais consistentes, com impactos transformadores em todas as frentes, incluindo a percepção. Mais superficiais são feitos dos países que apostaram no turismo, como a Grécia, Chipre, Costa Rica ou Cabo Verde, para rebocar a economia pelo lado da receita, com efeitos positivos na sua percepção. Serve isto para dizer que uma marca não existe desligada dos factores de competitividade dos negócios. Ao contrário do que muita gente pensa, uma marca é como o sal, que não alimenta e na dose certa realça o sabor, e não como o açúcar, que adocica e acrescenta calorias.
M&P: Olhando para trás, que erros é que foram cometidos nos últimos anos na gestão da Marca Portugal?
HA: Do ponto de vista do marketing, os imensos erros têm sido recorrentemente fruto da submissão da gestão da marca a objectivos alternativos, sejam políticos ou burocráticos, o que resulta numa clamorosa falta de estratégia e na sucessão de actos despropositados ou desproporcionados, como por exemplo a reunião de centenas de celebridades numa comissão para que estes definam o posicionamento da Marca Portugal. Talvez o mais pitoresco, ainda que pouco importante, tenha sido a invenção em 2004 do nome “Lusitanea' para, e cito, “dar consistência à zona Centro”. Uma aventura que custou quatro milhões de euros em campanhas televisivas e afins, sem se perceber o que raio era e para o que servia a tal de “Lusitanea'.
M&P: Porque é que defende um posicionamento para Portugal mais próximo da Flórida da Europa, em vez do da Califórnia, tal como era, por exemplo, protagonizado pela ideia do Think West?
HA: Porque Portugal não tem condições para ser a Califórnia da Europa, falta o talento humano e a cultura de ruptura. Recentemente encontrei uma revista de 1998 que dedicava várias páginas à inovação portuguesa e lá vinham em destaque os casos de sempre: Via Verde, Pré-pagos e Multibanco. Os mesmos exemplos que ainda hoje são a jóia da coroa da inovação portuguesa e, no entanto, passaram-se 10 anos e estas inovações fantásticas não foram substituídas por novas, nem se tornaram em padrões mundiais. Portugal nunca poderá ser tecnologicamente inovador, porque é um país conservador que quase não inova. Por outro lado, aquilo que Portugal tem de reconhecidamente bom é a qualidade de vida e a capacidade de acomodar estrangeiros. Um país pacífico, com gente amável, como o é Portugal, pode fazer duas coisas. Uma é falir submerso em xenofilia e ineficiência, a outra é tornar-se numa potência turística. Querer transformar Portugal numa inovadora Euro-Califórnia é um pouco irrealista, ou demagógico.
M&P: Mas a ideia de conforto ou a capacidade de acomodar estrangeiros não é uma ideia que a zona mediterrânica de Espanha já faz? Esse não é um posicionamento mais próximo de Chipre, Malta ou Tunísia?
HA: Em parte sim, cada dia que passa sem que Portugal aplique uma estratégia, é um dia perdido para a concorrência. Nos mercados internacionais, uma coisa que nunca falta é a concorrência. No entanto, há circunstâncias que permitem a Portugal recuperar algum atraso. Por um lado a procura é enorme e o mercado suficiente para vários concorrentes. Só na Alemanha há 15 milhões de reformados e a Portugal bastam 500 mil residentes seniores para eliminar o défice de transacções. Por outro e, bem mais importante, Portugal tem para este mercado um produto superior ao dos seus concorrentes, pois não se encontra exposto a conflitos étnicos ou religiosos. Espanha, Chipre e mais ainda a Tunísia, apesar de registarem sucessos no segmento residencial sénior, são países necessariamente mais virados para o turismo jovem, que é mais insensível às questões da segurança.
M&P: Estamos então condenados a ser o INATEL da Europa?
HA: (risos) Diria antes que podemos aspirar a ser a Vilamoura da Europa. O mercado sénior é um mercado crescentemente afluente, os problemas sociais da velhice são mais graves nos países remediados, com sistemas de segurança social recentes e que sofreram inflações galopantes. No norte da Europa esse cenário triste já não se aplica, pois as suas economias sustentam multidões de seniores fisicamente activos e com rendimentos garantidos bastante elevados. São esses velhos-novos-ricos que podem alimentar uma aposta no turismo residencial sénior, que podem comprar uma moradia, pagar a mensalidade no clube de golfe e ainda mandar vir a família passar o Natal.
M&P: Onde é que entra aqui a discussão da Marca Portugal? Não estaremos antes a falar de orientações ou directrizes para um governo?
HA: A comunicação entra depois da estratégia da Marca. Para comunicar é preciso escolher uma estratégia e ser consequente com ela. Tanto que a ausência de estratégia tem sido causa para falhas diversas nos programas de promoção de Portugal e para alguma insuficiência no debate à volta da Marca. Simplificando, o que vamos tendo é um governo/país que, sem estratégia, gera demasiadas campanhas avulsas. Por outro lado, o debate público sobre a Marca Portugal é liderado pelas questões publicitárias ou criativas, com alguma influência dos meandros do new business. Falta à Marca Portugal quem assegure a ligação, um departamento de marketing que adopte uma estratégia, mova o Estado no sentido de concretizar a estratégia e encomende a comunicação adequada.
M&P: Voltando ao livro e um pouco em jeito de resumo, quais são as suas principais propostas para a Marca Portugal?
HA: A grande proposta passa por gerir a Marca Portugal sem submissão a interesses paralelos. Tal implica escolher uma estratégia e ser consequente. Na aplicação do investimento deve evitar-se partir o bolo em fatias famintas por organismos de interesses conflituosos, como o ITP, AIP, ICEP, regiões, etc. Na compra de meios, não se pode voltar a gastar o essencial das verbas de promoção externa em meios portugueses. Quanto aos fornecedores, como a agência criativa, de meios, relações públicas, etc, devem ser grandes como a conta, devem ter presença onde está o target e o talento deve ficar próximo do cliente. Na relevância dos eventos, deve aproveitar-se as grandes ocasiões, como a Expo ou o Euro, para vender qualquer coisinha. E por aí adiante. Estas e outras implicações estão descritas no livro, sem contemplações, nem subtilezas. Um treinador de bancada arrisca-se a montar um sistema de jogo que é mais perfeito do que praticável, mas para saber ao certo, só lendo.